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Os jovens e o saber: uma porta

Nelson Matheus Silva – Participante da NPJ
Cartel: Nova Política da Juventude – O ensino da Psicanálise e a formação do analista, mais-um: Sérgio Laia AME EBP/AMP

Este trabalho é produto de um Cartel em curso intitulado O ensino da Psicanálise e a formação do analista, cujos componentes são Paula Noquet (colega de Joinville/NPJ), Cristiane Barreto (EBP/MG), Claudia Santana (EBP/SP), Sergio Laia (AME da AMP/EBP/MG e +1) e eu. Nosso Cartel é vinculado à Nova Política da Juventude, formado de um modo próprio, eu diria que ele entra na categoria de multi-uso, uma vez que sua organização de trabalho e seus integrantes foram propostos pela Comissão de Garantia e pelo Conselho da Escola Brasileira de Psicanálise. O que nos uniu, mais além desse ponto, foi o desejo de Escola.

A Nova Política da Juventude oferta que façamos uma demanda; na possibilidade do bater à porta, a obtenção de um signo de amor. Na demanda de amor o que se vela é o seu objeto, isto é, o saber, saber enquanto suposição. Em seu Seminário 20, Lacan diz que “aquele a quem eu suponho o saber, o amo[1]“. Sócrates já havia nos ensinado que o objeto agalmatizado é o saber. E se esse objeto pôde ser deslocado dele para Agatão é justo porque era o próprio Alcibíades a agalma, era nele que estava o saber, um saber não sabido, um saber furado.

A primazia da experiência do saber sobre a teoria é a marca do ensino de Lacan, e como tal é o que está no centro de sua Escola. “A palavra Escola já diz muito” – escreve Colette Soler em A Cause de Jacques Lacan, uma publicação de 1991 – “coloca o acento sobre o ensino e o estudo, subentendida à transferência que é implicada, em referência às Escolas antigas, anteriores ao corte da ciência”. O ponto é que a relação entre o saber suposto com o saber exposto, ao mesmo tempo que interroga sobre a formação do analista, estabelece uma relação de gangorra entre o Múltiplo e o Um, entre o que desagrega e o que agrega[2].

Não há nenhum le dimanche de la vie[3], como me fez concluir Queneau. A potência da psicanálise está exatamente em poder sustentar que há um furo no saber. Expor um saber é dizer de uma verdade que põe em ato o lugar do sujeito no discurso. Quando se fala, o que se põe de manifesto é o S(Ⱥ). Como para cada um se fez existir a dimensão do furo, coloca a possibilidade de dizê-lo a partir de um efeito daquilo que se pode considerar como um efeito de formação.

É desse modo que a Escola passa a ser um lugar de insegurança: ela impossibilita o estabelecimento de uma enunciação para todos. É um paradoxo, uma vez que é nela que a dessuposição de saber encontra um refúgio para o mal-estar na cultura. Por essa razão, não há como conceber a Escola a não ser como um conjunto aberto: uma proliferação de furos[4].

Em 1971, em seu escrito Ato de Fundação, Lacan dirá que, sobre a admissão na Escola, que ela terá como condição que se haja introduzido no discurso analítico, que se “saiba que eles iniciaram essa empreitada, onde e quando”[5]. Em 1974, voltará a dizê-lo, desta vez aos italianos, que seria preciso verificar que alguém tenha se analisado para ser admitido na Escola. É o sintoma que está dado de entrada, Um por Um, sem exceção.

As admissões, entretanto, deixaram de lado os jovens[6]. E não haveria de ser diferente. O currículum passou a exigir um percurso “impossível de se cumprir antes dos 50 anos de idade”[7], é o que falou Miller em sua intervenção no ano passado e intitulada pela EOL como Reinventar la Escuela. Esta observação feita por Miller não visaria mostrar como a Escola tomou uma direção tal que fez do jovem alguém que deveria formar-se sem contar com ela como um lugar para conduzir-se e de nela obter alguma garantia?

Alberti[8] interpreta a juventude, sensível ao discurso contemporâneo, ao situar a importância dos jovens na Escola como uma necessidade de discurso, uma necessidade de que exista a psicanálise. Ela chamará os jovens de “uma placa sensível”. “A Nova Política da Juventude tem como objetivo recuperar o tempo perdido[9]“.

A conjugação da enunciação com o trabalho de Escola coloca um acento no amor e no seu objeto privilegiado, o saber. Uma vez desvelado, o saber mostra-se em fracasso[10], não há como não o sê-lo; condição indispensável que permite que um candidato se forme naquilo que faria tal saber advir, isto é, a ignorância, uma “paixão que deve dar sentido a toda a formação analítica”[11]. A paixão pela ignorância, discernida do obstáculo interno que ela pode representar para uma análise, coloca alguém frente ao desejo de saber. Querer saber, ali onde antes havia um o querer saber, marca um giro no discurso e aponta para o que pode vir a ser o emergir de um desejo como causa, a invenção de um amor inédito.

O tema da abertura da Escola ao novo nos convida a olhar como o deus Jano, para dentro e para fora, para o passado e para o futuro. É preciso, ademais, saber acrescentar à porta do cartel — regida pelo todo e o Mais-Um —, uma outra porta ao não-todo, verdadeira entrada Um×Um[12].” São os signos de amor, porém, o que já apontam de entrada para essa transformação no discurso como também para as respostas que podem advir diante da oferta de que se demande, e são eles que possibilitam fazer da Escola um laço. Uma vez que a porta se faz aberta e o porteiro convidativo, minha pergunta passa a ser sobre como fazer desejar: como fazer a Escola desejável aos jovens mais além de seu desencanto?


[1] LACAN, J. (1972-73) O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p.91.

[2] ANTELO, M. APUD Dias Batista, M. C. A EBP e a Mutualidade. In: Correio, Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, N. 28. São Paulo: EBP, 2000, p. 2.

[3] SILVA, N. M. Le Dimanche de La Vie, Mon Cul. In: Agente – revista de psicanálise. Salvador: Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Bahia, n. 20, set 2023.

[4] BRODSKY, G. Pasión lúcida. In: Pasiones lacanianas. Olivos : Grama Ediciones, 2020, p. 55.

[5] LACAN, J. (1971) Ato de Fundação. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 240.

[6] MILLER, J-A. Entrevista a Jacques-Alain Miller por El Caldero de la Escuela. In: El Caldero de la Escuela, N. 32, Buenos Aires: Grama, p. 3-4.

[7]   MILLER, J-A. Reinventar la Escuela?: preguntas porteñas. Olivos: Grama, 2024, p. 22.

[8] ALBERTI, C. Placa Sensible. In: Mondō, 3a Edição. Último acesso em 10 de Maio de 2024. Link: https://mondodispatch.com/es/2023/12/11/placa-sensible/

[9] MILLER, J-A. Reinventar la Escuela?: preguntas porteñas. Olivos: Grama, 2024, p. 23.

[10] LACAN, J. Lituraterra. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003, p. 17 e 18.

[11] LACAN, J. (1955) Variantes do tratamento-padrão. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 360.

[12] ANTELO, M. De Entrada: A Porta e Um Japonês. Inédito.

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