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Orientação Lacaniana

Atualmente, estamos vivendo os efeitos de uma Nova Geografia na Escola, particularmente aqueles que se encontram diretamente envolvidos na dinâmica de novas seções. Temos por muitas vezes, vivido certa inquietação. Ao mesmo tempo, estamos envolvidos de modo decidido no nosso trabalho, guiados pela luz dos nossos princípios para assim nos por a trabalho e zelar por nosso funcionamento. Desse modo, agradeço a possibilidade de escrever sobre uma temática que tanto tem me chamado a atenção. Entendo também que nesse convite, encontro uma das facetas da Garantia que a Escola de Lacan pode oferecer; garantia, enquanto um lugar possível que abre a possibilidade de elaborar com outros, nesse caso, pela escrita. Escrever é um viver essa solidão. De acordo com Clara Holguin, “garantia como uma solidão com”.

Voltarmos para os nossos princípios é também entender e não recuarmos mesmo diante de vivermos em uma época em que os órgãos burocráticos e sanitários, tomados pelo discurso tentador da ciência, buscam apagar as instituições psicanalíticas e sua formação. Assim, entendemos que, para a psicanálise, não há formação sem contarmos com a mudança subjetiva, visto que nela há a primazia do inconsciente. Penso em uma referência que exemplifique essa primazia, e encontramos em um artigo de Miller (1997), que está em “Para ler o Seminário 11 de Lacan”, quando ele nos conta que Lacan havia acabado de rejeitar o manuscrito completo de um dos seus seminários, e ele, Miller, lhe faz uma proposta sobre a transcrição, ao que Lacan responde: “Prove!”, e continua:“ não fale, apenas faça”. Miller afirma, assim, que se lançou ao desafio, sem saber que o que estava decidindo ali era o seu próprio destino, e de algum modo, digo eu, nascia a Orientação Lacaniana.

Essa referência é fundada em um ato, e não podemos esquecer que o momento do ato é raro em nossa vida e nele estamos sempre sós e o que está em jogo é o desejo. Miller acredita que Lacan reconheceu o desejo nele e ao mesmo tempo prová-lo era um convite para que ele pusesse a si próprio à prova.

Afinal, o  que é a Orientação Lacaniana ? Um ensino, uma tradução…

Um pouco disso, de uma maneira lógica, não podemos precisar uma ordem, mas é fato que o estabelecimento dos Seminários que o próprio Miller situa mais do lado da tradução, em um dado momento passou a ter como produto a Orientação Lacaniana. Como Miller diz:

Lacan se expressava por uma língua falada apenas por um, que ele se esforçava para ensinar aos outros. Trata-se, então, de compreender essa língua e posso dizer que nesses últimos anos, me dei conta de que, na verdade, eu só a compreendi depois de tê-la traduzido. (…) mas foi apenas depois de estabelecer, escrever o texto no movimento de fazê-lo definitivamente que apareceram para mim os lineamentos, a trama tão cerrada da invenção de Lacan. Com efeito, quando digo traduzir, digo fazer aparecer a arquitetura.(MILLER, 2011).

Miller inicia seu trabalho de estabelecimento dos Seminários com Lacan ainda vivo. Esse trabalho se diferencia daqueles em que ele contava com a presença de Lacan para discutir, tirar dúvidas, mas depois ele teve de trabalhar de modo distinto até chegar o momento em que algo dele foi colocado. Entretanto, foi apenas em seus cursos que ele se sentiu à vontade para fazer plenamente sua leitura, cursos que ele deu de 1981 até 2011. Cursos que guiam nosso trabalho, nossas pesquisas e envolve todas as Escolas da Associação Mundial de Psicanálise. Uma atividade de uma escola que abre suas portas para quem quiser entrar.

Anamaria Vasconcelos

BIBLIOGRAFIA:
BROUSSE, M.-H. Solidão. [Entrevista]. In: JORNADAS DA ESCOLA BRASILEIRA DE PSICANÁLISE, 9., São Paulo, 2019. Vídeo (20min55), VHS, son., color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WFjmP6nSk9o&feature=youtu.be. Acesso em: 19 abr. 2021.
MILLER, J.-A. Contexto e conceito. In: FELDSTEIN, R.; FINK. B.; JAANUS. M. (org.). Para ler  o seminário 11  de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
MILLER, J.-A.  Uma tradução. Tradução de Vera Avellar. Paris, 2011. Não paginado. Disponível em: http://www.ebp.org.br/old/orientacao-lacaniana/. Acesso em: 26 abr. 2021.
HOLGUIN, C. Um laço êxtimo: solidão com laço – Sobre o ato analítico e a garantia, 2019.
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