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O cartel e a ação lacaniana1

litoraneo011_004Liège Uchôa                                    

Foi com alegria que construímos a Noite de Cartéis na Seção NE. Agradecemos a Fernanda Otoni por aceitar nosso convite, o nosso desafio, porque nos pôs a trabalho: estudamos, pesquisamos, redescobrimos caminhos esquecidos. A ação lacaniana, desde que apareceu em discussão, chegou a mim como um horizonte de interesse, e agora, à frente da diretoria de cartéis e intercâmbio, vislumbrei articulá-la ao dispositivo do cartel, nosso órgão de base que, junto com o passe, são considerados os pilares da formação do analista na Escola de Lacan.

A “noite de cartéis”, o “procura-se cartel”, e os “momentos de intercâmbio” formam três frentes de atividades por onde a diretoria de cartéis e sua comissão de trabalho pretendem tecer um caminho de construção e reflexão acerca desse potente dispositivo.

Importante dizer que foi num clima de entusiasmo que convidamos Fernanda Otoni para trazer suas contribuições sobre este tema. A ação lacaniana foi um programa que a Diretoria de Secretaria da EBP propôs colocar em atividade, em conjunto com os diretores de cartéis e intercâmbio, para reunir o que se praticava em nome da psicanálise do campo freudiano no Brasil. As sementes dessa ação já tinham sido plantadas no V Congresso da EBP, em 2005, que tinha por título: A ação lacaniana na civilização do objeto a, e visava a colocar em debate as consequências do ato analítico no plano macro da sociedade, dando consequência ao que foi tratado por Jacques-Alain Miller no seu seminário Um Esforço de Poesia (2003), onde encontramos uma passagem fundamental, norteadora para os psicanalistas:

O que poderia, juntamente com o ato analítico tal como Lacan o definiu, ganhar lugar como ação psicanalítica, ou mesmo, ousaria dizer, como ação lacaniana, que pudesse propiciar, deste ato, suas consequências na sociedade? (…) Este é certamente o campo que de agora em diante se abre para nós.[2]

Achamos ser relevante perseguir e ampliar essa ação num contexto de ameaça do fim da psicanálise. Aspecto que nos remete a Éric Laurent quando diz em seu texto O real e o grupo: “se a psicanálise é apresentada em sua dimensão de eficácia social, ela o é como instrumento de luta contra a morte a trabalho na civilização.”[3]

Para Lacan, a missão de uma Escola de Psicanálise é ser “uma base de operações contra o mal-estar na civilização”[4]. O cartel é o órgão de base desta Escola, poderia ele servir para conduzir a política da psicanálise na cidade sustentada no discurso analítico?

O olhar tão singular de Fernanda acerca destes questionamentos nos motivou a conhecer aspectos desta ação para que também pudéssemos torná-la ativa aqui na Seção NE. Ela assinalou que o nosso convite para articular “cartel e ação lacaniana” serviu de provocação, pondo-a a trabalho. Do que refletiu, resumidamente: “o Cartel, na Escola, é nosso maior tesouro, funciona sem mestre, e sem estrela guia… Não tem no mestre uma tábua de salvação”, e ainda, “quando um cartel acontece, não é sempre que ele acontece, a ação lacaniana se verifica”. Nossos estudos indicavam essa possibilidade que Fernanda tão bem explicitou. Parece mesmo fecundo colocar o cartel como uma máquina de guerra, um aparelho de leitura do real do que concerne à nossa época. Em sua dimensão dobradiça – da intenção e da extensão – pode, a um só tempo, colaborar na formação do analista, e espalhar seus tentáculos no Outro social.

Tudo isso conseguimos refletir numa noite primorosa, embalados na musicalidade junina e ainda aquecidos pela fogueira de São João.

Agradecemos a Fernanda Otoni por suas contribuições, à Diretoria da EBP-Seção NE, pelo apoio e confiança, e à nossa comunidade analítica que se fez presente nesse momento de construção coletiva.


1 Noite de Cartéis, atividade da Diretoria de Cartéis e Intercâmbio da Seção Nordeste, em 27/06/2023.
2 MILLER, J-A. “Um Esforço de poesia” Curso de Orientação lacaniana, (Lição 5/3/2003). Inédito.
3 LAURENT, É. “O Real e o Grupo”. Disponível em: http://cuatromasuno.eol.org.ar/Ediciones/004/template.asp?Logicas-colectivas/Lo-real-y-el-grupo.html
4 LACAN, J. Ato de fundação. (1964) In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2003. p.244
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