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Editorial Litorâneo #07

Cassandra Dias

As pessoas não morrem, ficam encantadas…a gente morre é para provar que viveu…

Guimarães Rosa

E assim se foi Rosane da Fonte. Encantou-se no mês de outubro desse ano de 2021, deixando em nossa comunidade de interesse, constituída por amigos, colegas de trabalho, analisantes, alunos e supervisandos, um sabor amargo por tão repentina partida. Sabemos – mas não acreditamos – que aquela dama de delicada elegância nas maneiras, nas palavras e nos gestos, a psicanalista que se movia na arte da escuta e que exercitava o seu ofício com afinco, se fora.

Ficou um legado construído a partir de sua marca singular, deixada em um percurso de formação que reverberou em sua inserção na cena psicanalítica de Pernambuco e na Escola Brasileira de Psicanálise, onde fez uma trajetória que incluiu uma atuação no Conselho da EBP, podendo contribuir na política da Escola.

Da sua transmissão, realizada ao longo de tantos anos de trabalho, foram muitos os momentos de produção em que ela pôde enunciar sua relação com a doutrina e a clínica psicanalíticas. Encontros, Jornadas, publicações, aulas, seminários. Rosane viveu psicanaliticamente.

A sua partida deixou a todos perplexos. Os membros da Seção Nordeste, em seu primeiro ano de funcionamento, foram tomados por essa ausência. Rosane teria muito a contribuir na construção desse território litorâneo.  Diante desse irremediável, desse real desmedido e inexorável, o que fazer?

“Não é a letra propriamente o litoral? A borda do furo no saber que a psicanálise designa, justamente ao abordá-lo, não é isso que a letra desenha?”[1]

O recurso à escrita é a aposta dessa comunidade que faz seu luto ao mesmo tempo em que entende que uma borda precisa ser construída nesse lugar, agora vazio.

O último número do boletim Litorâneo do ano de 2021 é dedicado a esse esforço em torno do indizível.

Apresentamos, pela via da escrita, a última produção de Rosane da Fonte. Uma aula que ela já não conseguiu ministrar na Atividade de Extensão da Associação de Clínica Psicanalítica de Pernambuco – ACPPE, sobre “Amor, desejo e gozo”. Um texto que diz da maturidade da psicanalista revisitando os pilares da experiência analítica – desejo e gozo – interpolando a via do amor como a invenção privilegiada pela qual “o gozo pode condescender ao desejo”. Temos a honra de poder recolher e registrar essa produção.

E é pelo amor em sua vertente real, que alguns membros de Pernambuco, aqueles que dividiram uma vida mais de perto com Rosane, um a um, responderam à convocação e tomaram para si o trabalho de colocar em palavras o encanto que ela lhes deixou. Tomados pela saudade, mas também desejosos dessa homenagem.

Encerramos esse ano de trabalho, cada vez mais certos de que frente ao real sem lei só nos resta tentar construir uma borda pelo simbólico. A escrita se apresenta, portanto, como uma via privilegiada na elaboração desse luto, trabalho esse que fazemos enquanto um coletivo de psicanalistas endereçados à causa analítica.

Prontos para recomeçar.


[1] LACAN, J. – Lição sobre Lituraterra, p 109 – Seminário 18
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