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Cada um em seu mundo: todos delirantes?[1]

Cláudia  Formiga

Boa tarde.

Quero começar agradecendo.

À Diretoria da Seção Nordeste, pela oportunidade e pela confiança com que me foi entregue este trabalho. E agradecer especialmente a Cassandra Dias, Diretora Geral, com quem, ao longo dos inúmeros e diuturnos contatos que tivemos nos últimos meses,  construí uma parceria muito agradável, em que o trabalho com a Jornada foi uma parte importante, mas não só. Esse trabalho nos forneceu também a ocasião para o humor, muitas risadas… no estreitamento de um laço importante entre nós e com a Escola. Quero agradecer a firmeza e a constância do seu apoio durante todo esse percurso.

A Eliane Baptista e a Susane Zanotti, que desde que aceitaram o convite para coordenar a Comissão Científica, abraçaram, com muito entusiasmo, a “causa” da Jornada. Com o rigor que é preciso, mas também com leveza, elas construíram orientando, passo a passo, o caminho epistêmico que percorremos durante todo o trabalho de preparação da Jornada.

Agradeço também aos colegas que coordenaram os eixos temáticos: Gisella Lopes, Silvia Farias (e a José Carlos Lapenda, que esteve conosco no primeiro momento desse percurso); Rosa Reis, Rosa Feitosa, Lídia Pessoa e Vânia Ferreira, que conseguiram sustentar um trabalho epistêmico importante, ao qual vieram se juntar outros trabalhadores decididos, que tomaram para si a questão norteadora de cada eixo como ponto de partida para as discussões que animaram as preparatórias.

As ressonâncias desse trabalho se encontram no Boletim da Jornada, o Divagações. Contribuições que trazem o vivo de um trabalho realizado, sobretudo por jovens participantes da Seção e do Instituto Nordeste.

Às demais comissões que participaram da organização da Jornada, quero em nome de suas coordenadoras, agradecer. São elas: Bibiana Poggi, na condução do trabalho com as Referências Bibliográficas, Socorro Soares, pela comissão de Acolhimento e Infraestrutura, a Karynna Nóbrega, pela Comissão de Divulgação e a Anamaria Vasconcelos, pelo financeiro e secretaria da Jornada. Foi, sem dúvida, graças ao envolvimento e à dedicação com que cada um, do seu lugar, buscou contribuir com esse trabalho, que pudemos construir o que aqui iremos ver, ouvir e fruir nesses dois dias.

Um agradecimento especial a Rômulo Ferreira da Silva, AME, membro da EBP e da AMP, colega ligado à Seção São Paulo da EBP e convidado desta Jornada, que gentil e prontamente respondeu sim ao nosso convite, “atingido” pela provocação contida no título da Jornada. Agradeço a sua generosidade e por esse seu “feliz encontro” com o tema.

E ao colega Sérgio de Mattos, membro da EBP e da AMP. Sérgio é ligado à Seção Minas, AE em exercício, e aceitou de pronto o convite que lhe fizemos para trazer à nossa Jornada a sua experiência como Analista de Escola, em uma mesa de Ensino do Passe. A Sérgio, agradeço também a forma generosa com que se dispôs a estar “em corpo” aqui na Jornada, apesar do compromisso que ele tem amanhã. Ainda assim, se dispôs a estar conosco neste primeiro dia de jornada… Meu especial agradecimento a vocês dois, de quem aguardamos com interesse e muita expectativa a transmissão.

Quero fazer também um registro à beleza do vídeo que acabamos de assistir. Imagens e música que nos tocam e transmitem algo de um impossível de dizer, na solidão, no desencontro em que os falasseres hoje, se arranjam para inventar pra si um mundo… O verso de Dominguinhos e Gilberto Gil: “rês desgarrada, nessa multidão-boiada, caminhando a esmo” ficou pra mim reverberando o de que iremos tratar nesses dois dias de Jornada. Agradeço a Késia Ramos, responsável pela edição deste vídeo e pela arte do cartaz da Jornada.

Por último, agradeço à participação de todos e de cada um, aos que nos assistem pelo Zoom, a vocês que estão aqui, aos tantos que se deslocaram até Recife. Para mim, é uma alegria a-mais estar nesta cidade! Recife é amor antigo. E neste momento de “volta ao presencial”, depois do longo período de isolamento a que fomos forçados, celebro também a alegria de estar nesta cidade, de estarmos aqui e de termos de volta o calor e o vivo da presença dos corpos.

O acontecimento Jornada não deixa de ser também um momento fecundo para o trabalho de Escola em cada Seção, momento em que buscamos nos aprofundar no estudo de um tema, que nos convoca e mobiliza muitas transferências de trabalho. Esta III Jornada se insere na pequena série de jornadas da Seção Nordeste, iniciada há 3 anos, com a indagação sobre o enigma da sexuação e o que a experiência analítica nos ensina sobre isso, teve o seu segundo momento na pergunta sobre o fazer do analista frente à evaporação do pai e agora nos propõe debruçarmo-nos sobre o conceito de sinthoma como acontecimento de corpo para problematizar a noção de delírio generalizado. Acredito que, mesmo pequena, essa série desenha o nosso esforço, enquanto comunidade de trabalho, em “tentar cingir o que fazemos em nossa prática”[2].

Podemos dizer que a primeira nota na construção desta Jornada foi dada no início do ano, quando da escolha do tema e, em seguida, pensamos o título.

O aforismo “Todo mundo é louco”, tema do próximo Congresso da AMP a acontecer em 2024, nos apontou a noção de delírio generalizado como uma via por meio da qual abordarmos o sinthoma como acontecimento de corpo.

Convertido por Miller em bússola que orienta a prática analítica hoje[3], o aforismo “todo mundo é louco” estabelecendo a ideia de que todo saber tem estatuto de delirante, afirma a loucura, para-além das estruturas clínicas, como inerente à relação do sujeito com o significante. No texto Clínica irônica, citado no Argumento desta Jornada, Miller diz que considerar o delírio como generalizado implica que “todos os discursos não passam de defesas contra o real”[4].

Como sabemos, a frase “todo mundo é louco, isto é, delirante”, foi proferida por Lacan em outubro de 1978, em Vincennes, em uma “ocasião notável”, como refere Miller a esse momento, em que Lacan teria sido convidado a defender o Departamento de Psicanálise e o seu ensino no contexto universitário. Justamente aí onde é instado a falar sobre o ensino da Psicanálise, Lacan afirma a incompatibilidade da psicanálise com o ensino, em sua forma pedagógica, que tende ao universal. Por sua articulação ao não-todo, o discurso analítico não é matéria de ensino.

Cada um em seu mundo: todos delirantes? No título da Jornada, sustentamos como provocação a pergunta sobre o universal do delírio, em par com a alusão ao modo como se arranjam os sujeitos em suas soluções singulares para fazer frente ao Real. “Cada um em seu mundo” é a expressão que dá nome à última aula do Seminário “Todo mundo é louco”[5], em que Miller trabalha a perspectiva com que, em seu último ensino, Lacan acrescenta ao aparato significante – que preside ao “que tão amavelmente chamamos a relação do analista com o analisante”[6] – a dimensão do gozo, sob a categoria não significante da “vociferação”.

Nessa aula[7], Miller afirma que a política da psicanálise consiste na escuta de um lugar vazio, situado antes do significante, lugar de Mais-Ninguém, de onde parte a emissão não significante de um sujeito, a sua vociferação, que é a forma como no corpo pode ressoar o impossível de dizer.

Como fazer com o impossível? É a pergunta que Miller nos coloca nessa lição, ao apontar como uma das saídas possíveis que a psicanálise propõe para o impossível, um certo saber fazer com a contingência… [8]

Durante os dois dias de Jornada, teremos a oportunidade de explorar e de precisar em muitos aspectos o alcance dessas ideias, que tocam muito de perto a prática clínica e a política da psicanálise.

Por fim, algumas informações de ordem prática: a estrutura da Jornada foi pensada de modo a nos fornecer, na Plenária que dá início aos trabalhos, um desenvolvimento mais aprofundado dos eixos que orientaram as pesquisas sobre o tema da Jornada. Em seguida, teremos a mesa do ensino do Passe, com Sérgio de Mattos, e uma primeira mesa com os trabalhos endereçados à comissão científica, que se articulam às pesquisas desenvolvidas nos Núcleos do IPSIN. No sábado, a programação segue em mais 5 mesas de trabalhos, que contemplam as produções endereçadas à comissão científica e que, a partir de pontos específicos, irão desdobrar os três eixos de trabalho. O Seminário de Rômulo Ferreira da Silva, o convidado da Jornada, está dividido em dois momentos: um hoje e outro amanhã.

Queria terminar essas minhas palavras não sem afirmar esta Jornada como espaço de celebração de um vivo trabalho de Escola, em um momento em que também voltamos a ocupar o território das cidades que compõem o múltiplo da EBP Nordeste. Eu me sinto renovada em meu desejo de Escola, agradecida pelo muito que aprendi com o movimento que se formou em torno da preparação desta Jornada e pelo percurso até aqui.

Por último, quero dizer da alegria de estar nesta cidade maravilhosa, que reúne, para mim, tantas referências culturais e afetivas!

Que tenhamos todos uma ótima Jornada!


[1] Fala da coordenadora geral da III Jornada na mesa de abertura.
[2] Esta frase está no texto O inconsciente e o corpo falante, foi proferida por Miller no contexto da Apresentação do tema do X Congresso da  AMP, no Rio, em 2016. Disponível in :https://www.wapol.org/pt/articulos.
[3]    Cf. Miller, J.A. Todo el mundo es loco. Los cursos psicoanalíticos de Jaques-Alain Miller. Texto estabelecido por Silvia Elena Tendlarz. Buenos Aires. Paidós. 2015. Lição XVII. p. 315.
[4] Miller, J-A. Clínica ironica. In: Matemas I Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. p. 190.
[5] Miller, J.A. Todo el mundo es loco. Los cursos psicoanalíticos de Jaques-Alain Miller. Texto estabelecido por Silvia Elena Tendlarz. Buenos Aires. Paidós. 2015.
[6]    Op. cit. p. 332 e ss.
[7]    Op cit. p. 333.
[8]    Brújula de la última ensenanza. Op. cit. p. 329.
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