Késia Ramos (EBP/AMP) Nesta edição do Litorâneo #17, a construção da editoração imagética nos…
Cada um em seu mundo
Cassandra Dias (coordenadora)
O Grupo de Trabalho que discutiu o último capítulo do curso Todo mundo é louco percorreu linhas de investigação a partir do que ressoou em cada um. Recolho alguns pontos que colocaram a trabalho uma produção: circunscrever o lugar de Mais-Ninguém em que a vociferação acrescenta à palavra um novo estatuto. Em torno desse lugar, abriram-se caminhos investigativos que seguirão interrogando as várias dimensões que essa leitura permite.
Danny Medeiros
Miller elucida a frase “todo mundo é louco”, apontando para isso que se trata de escutar no que se enuncia da boca do paciente, que vocifera do lugar de mais-ninguém. Como um lugar que assinala uma ausência do sujeito do significante, mas também a presença da relação natal com o gozo, o que nos leva a pensar no que acontece no corpo.
O discurso analítico foge da dominação que está atrelada ao que seria da ordem do ensino, que subsiste em haver um mestre que detém o saber. Levar em consideração o lugar de mais-ninguém é assentir com o que só cada-um pode dizer. Longe da dominação do saber de um mestre, abre-se espaço para o que foge da lei do universal, para o que não faz sentido. É uma advertência de que a prática deve ser pensada sempre caso a caso.
Anderson Barbosa
Das várias questões que poderia tomar para comentar esse capítulo, tomarei três aspectos no que diz respeito à posição do analista. O primeiro, diz respeito à centralização da vociferação na posição do analista: o estatuto do corpo e da voz como indo mais além que o objeto a se configura como um lugar de onde o analista deve se orientar em sua prática que consiste em apontar que o falasser está ligado e inscrito no gozo.
O segundo ponto coloca no centro a experiência como o motor primordial da ação analítica. Diz Miller que os psicanalistas não podem ser preparados com o ensino, mas apenas com a experiência.
Por fim, destaco a loucura do próprio analista. É o analista também um louco, delirante? Miller destaca a proposição freudiana de que tudo não passa de um sonho. A difícil função do analista impõe que ela seja, uma função evanescente. Mas talvez, diz Miller, o analista sonha um pouco menos quando “não toma toda contingência no regime da repetição”[1].
Francisco Xavier
Relanço a questão: se “todo mundo é louco, quer dizer, delirante”, e os autistas?
Miller traz uma atualização de um neologismo falado por Lacan no seminário da carta roubada: “Nulubiedade”, para falar desse lugar, lugar de “mais ninguém”.
Lacan dirá: “Será preciso que a carta, dentre todos os objetos, fosse dotada da propriedade da nulubiedade, para nos servirmos desse termo que o vocabulário celebrizado pelo título de Roget, retomou da utopia semiológica do bispo Wilkins?[2]”
Ainda temos a referência ao texto borgeano O idioma analítico de John Wilkins, em que Borges dirá que, dentre tantas fecundas curiosidades, Wilkins aventava a possibilidade de uma linguagem mundial.
Ora, no funcionamento autístico, vemos a tentativa de reduzir os equívocos da linguagem ao que Maleval chamou de primado do signo. Com esse primado, o autista inventa um Outro de síntese, formado por signos e não significantes. Os autistas têm o ideal da formação de um código onde cada palavra tenha um só e fixo significado.
Laurent vai propor a foraclusão do furo em um tempo lógico anterior à foraclusão do nome-do-pai e à entrada na linguagem. A letra, no autismo, advinda do impacto de lalíngua no corpo, não fará furo e sim iteração.
Daí o retorno do gozo na borda, não no corpo, nem no pensamento, nem no delírio.
Como pensar assim em um delírio para os autistas?