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Amor e laço no autismo

Ellis Platero
Januário Marques – Núcleo de Psicanálise e Autismo (AL)

O amor foi o tema de trabalho proposto para este ano, mas não qualquer amor, o novo no amor. Sabemos que este tema não é próprio da psicanálise, não o tomaremos como um conceito, nem tão pouco abordaremos a partir dos poetas, filósofos, artistas, apesar de seu grande valor para nós.  Estamos nos propondo pensar no que do amor faz laço, especialmente nos casos de sujeitos autistas, para quem o laço é tão caro.

Ao longo da teoria psicanalítica, em diferentes tempos teóricos, encontramos formulações acerca do amor. Em 1914, Freud, em seu texto “Narcisismo: uma introdução”, aponta para o caráter narcísico do amor. Ama-se no outro aquilo que é meu ideal de eu, um traço familiar. Já para Lacan, no primeiro momento do seu ensino, o amor está articulado ao falo, à castração e, ao longo do avanço de sua teoria, como suplência a não relação sexual.

O que permite ao psicanalista avançar é – aponta Brodsky (2021) – que “(…) há um saber no real, a psicanálise deveria determinar que há um saber que falta no real: o da relação sexual. Não é um saber não sabido, é um saber que não há, impossível de escrever”. A constatação do gozo do Um e sua lógica lança mão do que se reitera e se fecha nele mesmo, é o que permitirá talvez apontar para o novo no campo do amor “o que não pode cessar de não se escrever no amor” (BRODSKY, 2021).

No que concerne a posição do sujeito autista, nos deparamos com as diversas construções elaboradas em suas relações com os objetos e os duplos, invenções essas que são uma importante indicação de um trabalho para que o furo traumático da linguagem não se faça presente. São muitas as tentativas de manter a fixidez da iteração do mesmo, no entanto, o gozo do Um não é bem sucedido. Simone Souto (2019) evoca um apontamento de Laurent (2016) “se o encontro com o gozo fosse totalmente bem sucedido, o autoerotismo seria absoluto, e não haveria lugar para o amor” (SOUTO, 2019).

Nesse contexto, o que aprisionaria os sujeitos a um fechamento em seu gozo é falho e, no curto-circuito desse gozo, se torna possível acessar o amor. Podemos dizer que o insucesso do gozo é o que dá “asas” ao amor no autismo? O encontro com esses sujeitos, seus escritos, testemunhos, tem nos ensinado muito sobre o amor que porta o que insiste em não se escrever. O que marca Marlon Cortés (2021, p. 74), ao citar Jerry Newport (2007), “o amor jamais seria capaz de curar as dores nem de um, nem de outro, porém cria uma condição necessária para que cada um pudesse curar-se sozinho”.

Se pensarmos no tratamento, a pura presença do analista como aquele que acolhe a singularidade radical de cada sujeito, atento à lógica de funcionamento é o que viabilizaria a escansão necessária para que algo do amor possa vir a surgir. Elisa Alvarenga (2021) vai destacar que no tratamento de Robert, o menino Lobo, “Rosine é receptiva à demanda de amor do pequeno Robert, ela o toma nos braços”. E destaca um índice clínico de Jacques Alain Miller (2007, p. 146) “o espaço que resta, uma vez que ela não cuida de suas necessidades, é aquele do amor” (ALVARENGA, 2021).

É possível pensar que a instalação desse amor no espaço entre o que se passa na relação do analista com o autista, permite uma cessão de gozo e construções de novos trajetos que antes estariam fixos, fechados em si. Como evoca Elisa Alvarenga (2021) “(…) o paciente passa da iteração de um significante – o lobo! – à inscrição de um furo parcial, que permite construir o que Eric Laurent chama de neoborda e o aparecimento de um significante – mamãe – que está no registro do apelo”.

O que nos colocou a trabalho foi interrogar e apontar possíveis direções acerca do amor no autismo: Poderíamos dizer que a instalação do amor possibilita a construção de um laço? Ou ainda como interroga Ram Mandil (2021), como o sujeito se serve dessa contingência como ponte para o Outro? São essas as questões que nos interrogam e nos convidam ao X Enapol.


Referências
ALVARENGA, Elisa. O amor no autismo. In: X Encontro Americano de Psicanálise da Orientação Lacaniana. Acesso em 25/07/2021. Disponível em: http://x-enapol.org/pt/portfolio-items/o-amor-no-autismo/?portfolioCats=13
BRODSKY, Graciela. Um amor mais digno. In: X Encontro Americano de Psicanálise da Orientação Lacaniana. Acesso em 25/07/2021. Disponível em: http://x-enapol.org/pt/portfolio-items/um-amor-mais-digno/?portfolioCats=27
CORTÉS, Marlon. Os autistas amam? Reflexões prévias ao ENAPOL. Lacan XXI Revista FAPOL Online, vol. 10 Maio 2021, p. 73-75 Disponível em: http://www.lacan21.com/sitio/wp-content/uploads/2021/05/Lacan-21-n10-maio-2021-PORT.pdf. Acesso: 25/07/2021
MANDIL, Ram. Comissão Científica X ENAPOL. In: Youtube. Acesso em 25/07/2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=i-XmbVVoEeI&t=550s
SOUTO, Simone. Como conceber a transferência na clínica do Um que dialoga sozinho? In: Tempo de Interpretar. Acesso em 25/07/2021. Disponível em: http://www.ebpbahia.com.br/jornadas/2019/2019/06/21/como-conceber-a-transferencia-na-clinica-do-um-que-dialoga-sozinho/
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