skip to Main Content

A forma sem fôrma: uma reflexão sobre os efeitos de formação

Ísis Maurício Coelho

Inicialmente, gostaria de expressar meu agradecimento à Diretoria de Cartéis e Intercâmbio da Seção Nordeste e sua comissão pelo acolhimento e pela oportunidade de participar deste trabalho desenvolvido em três frentes de atividades: “Noite de Cartéis”, “Procura-se Cartel” e “Momentos de Intercâmbio”. Além das reuniões internas, construções coletivas, leituras, estudos e trocas. Essa abordagem de trabalho, caracterizada por leveza e coletividade, mas sem abrir mão da singularidade, tem me levado a refletir sobre os efeitos desse processo em minha formação. Uma formação que não tem fôrma, mas que algo se forma. Trago à tona a indagação de Nohemí Brown (2018)1: “o que se forma na formação”? A autora estabelece uma analogia entre a forma e o resto, concebendo o resto como aquilo que não pode ser domesticado; ou seja, o que se forma é da ordem da contingência, não está presente a priori, nem pode ser alcançado por um único e universal caminho. Ainda no mesmo texto1, Nohemí destaca o tripé da formação: análise pessoal, supervisão e o estudo da teoria, acrescentando que Lacan em 1964 inclui a Escola nesse processo. Acho relevante mencionar meu percurso de análise, pois envolve a transferência de trabalho quando me sinto convocada a fazer análise com uma analista ligada à Escola, iniciando dessa forma, meu segundo processo analítico. No meu percurso de formação, a questão da contingência já estava presente desde o início e lembro de um comentário da minha supervisora em uma discussão de caso: “quem está na transferência é você”. Essa intervenção me faz refletir sobre o meu lugar enquanto analista em formação, mas também me fez me sentir autorizada a manejar o caso a partir do meu saber, não mais esperando que a mestra me dissesse o que eu deveria fazer ou ter feito. Conforme aponta Lacan2, a formação não pode ser dissociada da Escola, e o trabalho surge como o sustentáculo dessa instituição; assim, a formação está intrinsicamente ligada ao trabalho. A Escola deve se estruturar em torno da ausência de uma resposta padronizada e predefinida para a questão: “o que é ser um analista?”. Essa interrogação me remete à saída do lugar da mestria, onde aquele que detém o saber transmite para o outro, é fazer vacilar o discurso universitário, desviando-se da resposta predefinida e pronta que está profundamente arraigada em nossa sociedade. Neste ponto, o elemento essencial é o desejo de saber, e é nesse questionamento que minha transferência com a Escola se enlaça. A transferência de trabalho se volta para os textos, para a Escola, e se articula com o dispositivo do cartel, que se configura como o dispositivo que faz laço entre sujeitos que têm como objetivo a causa analítica. Esse experimento de abertura à contingência é frequentemente desafiador, mas também muito precioso; de sair do comum e criar espaços para seu próprio processo, no seu ritmo, da sua forma, sem uma fôrma, considerando o tempo lógico, a produção do S1 isolado que não está preocupado com o efeito de sentido, indo contra a resposta pronta que a sociedade solicita, implora e espera impacientemente. A dor e o prazer da formação em psicanálise, a partir da Escola de Lacan, residem na mudança de posição em relação ao saber. Como observa Miller (2012)3, “destacar o efeito de formação é admitir implicitamente que não há automatismo na formação analítica; não encontraremos um mecanismo; não o buscamos; cedemos espaço à contingência”. No entanto, é importante ressaltar que a falta de um caminho pré-estabelecido, universal e efetivo não dispensa o rigor ético na formação em psicanálise. É um percurso que não possui um ponto de chegada, não tem fim, não cessa, mas que encanta pelo simples fato de estar sendo trilhado e nele podermos encontrar pedras, flores e umbigos ao longo do caminho.


1 BROWN, N. “O lugar do cartel na formação do analista”. In: Correio Express Revista de Psicanálise, n. 5, ano 2018. Disponível em: <https://www.ebp.org.br/correio_express/005/lugar_cartel.html>. Acesso em: [13/10/2023].
2 LACAN, J. “Ato de fundação”. In: Outros escritos. Op. Cit., p. 235-247.
3 MILLER, J.-A. “Para introducir el efecto-de-formación”. In: Cómo se forman los analistas?. Buenos Aires: Grama, 2012, p. 13- 20.
Back To Top