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A ação do analista nos tempos que correm

Cleide Monteiro e Liège Uchôa (coordenadoras)
Antônio Eunizé, Érick Leonardo, Francisco Santos, Ísis Maurício, José Ronaldo, Juliana Ribeiro, Romero Ouriques, Vania Ferreira, Zaeth Aguiar

Em 2023, a Orientação Lacaniana se ocupou do Curso de Jacques-Alain Miller Todo el mundo es loco, através da constituição de grupos de trabalho. Nosso GT foi apresentado em 11 de abril, com as lições 8, Contingência do Real e 9, Do neurônio ao nó. Uma profícua tessitura, uma polifonia provocada por uma questão central: de que Real trata a psicanálise e quais consequências em conceber uma ação lacaniana?

Esse Seminário nos permitiu entender a importância do discurso analítico para o processo civilizatório nos novos tempos. Para a própria sobrevivência da psicanálise é preciso estar à altura de sua época.

Das primeiras lições, destacamos duas passagens que serviram de chave de leitura para as lições 8 e 9.

Primeiro, Miller coloca a importância da pausa para um psicanalista, ao dizer que é a essência da sua posição: não se deixar levar quando tudo vai rápido. Momento em que a produção toma as rédeas da civilização, a produção acelerada do objeto a. O segundo destaque é quando aponta as consequências dessa aceleração para o sujeito, quando não se relaciona mais com o objeto de desejo, mas com o objeto de gozo. A quantificação adentra todos os aspectos da existência, e a psicanálise precisa se colocar contra esse todo quantificado.

É no contexto do “fetichismo do número” que emergem as condições de ameaça à existência psicanálise, sustentadas pelas ciências cognitivistas. O discurso capitalista impele ao imperativo de gozo em seu pacto com a ciência, onde o discurso analítico está foracluído.

O que se espera, diz Miller, do psicanalista não é tanto o diagnóstico, mas a ação lacaniana. Qual seria essa ação em tempos da civilização do objeto a?

Qual a contribuição do discurso analítico, ali onde as teorias cognitivistas são limitadas em suas explicações sobre o sujeito?

A psicanálise e o sujeito do inconsciente se localizam sempre como um ponto de não homogeneidade ao campo científico. Confrontam o discurso da ciência quando isola uma quebra da causalidade e da determinação, ao apontar que “não existe causalidade sexual”.

Ao real da ciência – que contém um saber – Lacan opõe o real que não contém um saber, que é próprio ao discurso analítico, ao campo da sexualidade. Esse pedaço de real que o inconsciente freudiano dá testemunho, Lacan o situa como impossível lógico, o que não cessa de não se escrever. Inconsciente como um buraco no saber. Lacan exclui a possibilidade de dominação presente em outros discursos, diz Miller. O objeto a não é feito para dominar, mas para causar o desejo. Desejo insubmisso, impossível de ensinar, pois seu saber é sempre suposto, sem valor universal.

Na civilização do objeto a, onde o Nome do Pai já não serve para temperar o gozo e torná-lo menos invasivo, valemo-nos dos “nós”, das suplências, do feminino; recursos capazes de incidirem sobre os impasses da época. O que norteia a ação lacaniana é o real da não relação, da contingência, da modalidade do encontro, brecha por onde se insinuam as invenções e reinvenções do psicanalista em tempos que correm.

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