O estilo que faz Escola Késia Ramos (EBP/AMP) Esses tais artefatos que diriam minhas angústias,…
Quanto menos tempo o tempo menos tem? Infâncias[1]
José Ronaldo de Paulo
Participante da NPJ
Cartel: Infâncias, mais-um: Mônica Hage (EBP/BA)
As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças[2]
Manoel de Barros
O entendimento para se designar a criança na contemporaneidade é impactado pelos tempos que correm, como diz Lacan, e é na certeza antecipada pelo sujeito no tempo para compreender onde precipita o momento de concluir[3]. Nesse contexto, pode-se perguntar se o tempo hiperativo não é também um tempo fora do tempo, difratado em múltiplos sistemas de gozo que implicam objetos. François Arsemet, nessa circunstância, nos provoca a pensar se o tempo hiperativo, não seria ofertado pelos gadgets prometedores de um gozo imediato e desmultiplicado, por suceder em um corpo aparelhado sobre sistemas externos, às vezes virtuais, sistemas artificiais a serviço de um gozo que termina por transbordar o sujeito[4]. Miller, faz referência à “autoerótica de saber”[5], na qual o conhecimento não se passa mais pelo outro. As dúvidas são retraídas, emergindo nos tempos atuais as exclamações de “eu sei a resposta” de forma rápida ou a não direção de uma pergunta.
Conforme nos lembra Stiglitz, há uma rebelião contra a singularidade, uma pressa em nomear o que não se tem nome – dando a isto um nome vazio – e, a depender de como ele será preenchido, determinará a decisão de ser tratado ou não e de qual forma[6]. Quanto à invenção e ao conhecimento, Lacan escreve em 1974 dizendo que “o saber, ali onde o apreendemos pela primeira vez, assim, manejável, […] todos sabemos porque inventamos um truque parapreencher o furo no real. Aí onde não há relação sexual, isso produz troumatisme. Inventa-se. Inventa-se o que se pode[7]”.
O diretor Japonês Hayao Miyazaki ficou conhecido pelas animações, retratando de maneira maestral a poética na infância. Nelas, tal como A Viagem de Chihiro[8], observa Ebert, há o “movimento gratuito”, momentos de contemplação, uma pausa, nada de especial acontece “em vez de todo momento ser ditado pela história, às vezes os personagens vão apenas sentar por um instante, ou vão suspirar, olhar um córrego, ou fazer algo extra. Não para avançar a história, mas apenas para se dar uma sensação de tempo, de espaço e de quem eles são”[9]. Em japonês, define Miyazaki, este tempo corresponde a Ma (vazio) e intencionalmente coloca-o em suas animações.
A etimologia da palavra Ma é representada pelo ideograma 間, combinação do caractere 門 (porta ou portão) e 日(sol), conceito no qual deve-se ser mais sentido do que explicado, segundo a tradição japonesa[10]. Lacan permeia essa ideia ao deduzir que uma porta produz corrente de ar, levaríamos ela debaixo do braço a qualquer lugar, para o deserto, para se refrescarem[11]. Ou seja, semelhante ao conceito de Ma como negativo da imagem, é a partir do vazio que podemos pensar a ideia do movimento. Ma, também pode ter a mesma semântica de “entre-espaço”, “espaço intermediário”, “intervalo”, assim como a criança que ainda não é um adolescente e nem adulto. A criança está no “entre”, numa dobradiça.
Laurent pontua que o sobrinho de Freud lança o seu carretel para modelar a angústia de Acoisa, na qual só é formulada a partir da ausência da mãe. Porém, o que se é contado não é apenas a contraposição fonética o-a, fort-da, mas o próprio gesto a ser colocado em evidência[12]. Portanto, não sem o outro, a infância é o tempo da constituição do sujeito. Conforme o exemplo do sobrinho de Freud, houve um Outro no jogo do fort-da. O tempo de atravessamentos do sujeito infantil produzirá singularidades, colocando cada um frente a um mal-entendido da língua; não sem efeitos disso. É necessário uma etapa para a criança produzir a sua própria enunciação. Jacques-Alain Miller realça no texto Em direção à adolescência[13] a frase de Lacan “a imiscuição do adulto na criança”, evidenciando um adiantamento da posição do adulto na criança.
Como podemos ter no contemporânea a sustentação de um vazio do tempo para as escolhas? Tempo este marcado pela aliança do capitalismo com o discurso da ciência em prol das demandas neoliberais, onde apaga o “Um” de cada sujeito. Tempos de menos para lucros demais.
Partindo da pergunta de Miller “Sobre qual domínio cairá a criança”?[14], seria as tentativas simbólicas de nomear a criança não norm mâle uma forma segregativa? E, advindo disso, podemos fazer referência à experiência analítica quando acontece o acolhimento do singular e íntimo em cada falasser. Porém, sem que haja um rechaço do Outro social, conseguirá o analista ser guardião da singularidade da criança?
[1] Trabalho apresentado na primeira Jornada Nacional de Cartéis da EBP (2023) sob o título de Crianças tais como tao e modificado após elaboração e discussão.
[2] QUINDIM. 9 poemas de Manoel de Barros para crianças: conheça o poeta das infâncias. Disponível em:https://quindim.com.br/blog/poemas-de-manoel-de-barros-para-criancas/. Acesso em: 14 jul. 2024
[3] LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, 258
[4] ANSEMET, François- Tudo imediatamente. In: Correio n.70 Revista da Escola Brasileira de Psicanálise Dezembro 2011.
[5] MILLER, J-A. Em direção à adolescência. III Jornada do Instituto da Criança. 2015.
[6] STIGLIZ, Gustavo-La clase de los DDA o la rebelión de las singularidades. In: DDA, ADD, ADHD como ustedes quieran. El mal real y La construcción social. Gustavo Stigliz (compilador). Grama Ediciones, 2006.
[7] LACAN, Jacques. O seminário, livro 21: Os não-tolos erram. (1973-1974) Aula do 9 de abril de 1974. (Inédito)
[8] MIYAZAKI, H. Filme: Sen to Chihiro no kamikakushi (Título em Português: A Viagem de Chihiro). Distribuidora: Europa Filmes, 2001.
[9] 9 ROGER EBERT.COM. Hayao Miyazaki interview. Disponível em: https://www.rogerebert.com/interviews/hayao-miyazaki-interview. Acesso em: 5 fev. 2023.
[10] MENEGHETTI, Maria Cristina Elias; ARANTES, Priscila. Suspender O Tempo E O Espaço. PÓS: Revista Do Programa de Pós-Graduação Em Artes Da EBA/UFMG, vol. 9, no. 18, 22 Nov. 2019, pp. 312–341, https://doi.org/10.35699/2237-5864.2019.16126. Accessed 6 Feb. 2023.
[11] LACAN, J. O seminário : livro 2 – o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanalise, 1954-1955. Rio De Janeiro: Zahar, 1985. p.375
[12] LAURENT, É. (2010). A carta roubada e o vôo sobre a letra. In: Correio – Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, no 65. São Paulo: EBP, p. 69.
[13] MILLER, J-A. Em direção à adolescência. III Jornada do Instituto da Criança. 2015.
[14] MILLER. J- A. A Criança e o Saber. In: Cien-Digital, n 11, p. 7.