Késia Ramos (EBP/AMP) Nesta edição do Litorâneo #17, a construção da editoração imagética nos…
Histeria Masculina? Considerações sobre a direção do tratamento
Marina Fragoso – Participante da NPJ
Cartel: Histeria Masculina, mais-um: Jorge Assef
Adicionar a terminalidade masculina para pensar a histeria seria redundante quando vamos mais além do Édipo em direção à sexuação? É a partir dos adereços da feminilidade que a histeria se defende do feminino através do seu padecimento à flor da pele que tenta dar consistência a um corpo. A respeito disso, Recalde pontua: “O sujeito histérico faz um uso peculiar, por exemplo, da estruturação de um corpo que se sustenta no pai como defesa ao real do feminino”[1], de maneira que a posição histérica reivindica uma consistência referida ao falo na tentativa da constituição de um significante localizado no corpo do Outro.
Podemos pensar o lugar da identificação viril a partir de Moraga, a qual a relaciona com: “um traço do outro na formação do eu. Este se monta a partir de um s1, um significante que está em outro corpo”[2]. Lacan discorre que a questão que constitui o sintoma histérico, tanto em homens quanto em mulheres, é a mesma: “a mulher se interroga sobre o que é ser uma mulher, do mesmo modo que um sujeito macho se interroga sobre o que é ser uma mulher”[3].
Para não interrogar-se sobre o feminino, uma das consequências do sintoma histérico pode ser a identificação a um traço viril. Sobre isso, propõe Leguil: “É para não nos interrogarmos sobre o que é uma mulher que nos remetemos aos estereótipos, os quais apresentam um saber dogmático sobre o seu ser”[4]. Na histeria masculina não seria diferente: o sujeito histérico faz uso dos adereços de virilidade para dar conta da sua dissimetria, da sua relação com a falta. Ainda nesse sentido, Lacan afirma em seu Seminário 3, ao comentar um caso, que, no que se refere à histeria em homens, a consequência anatômica histérica vai para além da biologia, desta feita, “Nada na anatomia nervosa recobre, seja o que for, do que é produzido nos sintomas histéricos. É sempre de uma anatomia imaginária que se trata”[5], uma vez que é, também, pela via imaginária que o sintoma histérico se estabelece.
O sintoma histérico que se constitui em uma combinação entre verdade e falsidade faz uso da matriz imaginária para construir um sintoma que – enquanto defesa a um real – busca consistência no Outro para dar contorno ao campo pulsional. Quando esse sistema falha, a histeria produz o sintoma conversivo como resposta. Dessa forma, “Para ter reconhecimento da sua feminilidade, ser-lhe-ia preciso realizar a assunção de seu próprio corpo, sem que ela continue exposta ao despedaçamento funcional (para nos referirmos à contribuição teórica do estádio de espelho), que constitui os sintomas de conversão”[6].
O ponto que norteia uma neurose vai em direção a uma questão. No caso da histeria, uma pergunta que se endereça a um mestre como agente de saber sobre uma verdade: “O que é uma mulher?”. Ao pensar a direção do tratamento na histeria em homens ou mulheres é preciso que o discurso analítico se instaure, despregando a consistência desse Outro enigmático que a histeria supõe saber sobre seu próprio eu. Nessa direção, partindo de uma desidentificação a esse Outro absoluto, a inserção da inversão dialética na relação transferencial tem como desdobramento permitir que a estrutura histérica possa constituir um desejo de saber sobre o Um, desarticulado a uma pergunta universal, aproximando-se de uma posição mais feminina e situando-a no mais além da identificação viril.
Quando Lacan localiza, no Seminário 20, a postulação de que A mulher não existe senão barrando-se o A que a universaliza, localiza o feminino como um gozo não-todo referenciado ao falo, marcado pela indeterminação. Tendo como norte essa indeterminação que funda a ex-sistência, pensar a direção do tratamento na histeria é ir na contramão da mascarada histérica que tenta fazer existir a complementariedade da relação sexual, sem se antecipar nas tentações interpretativas, mas oferecendo um caminho para que as retificações subjetivas sobre a existência da Outra mulher possam se dissipar em uma outra relação com o feminino, como pontua Laión[7]: “Uma análise pode permitir a um ser falante tratar o seu rechaço ao feminino e possibilitar que haja uma virilidade orientada pelo sinthome, uma invenção frente ao feminino”.
Orientar uma análise nessa direção é dar um tratamento ao sintoma histérico na direção de reformular, no um a um da sua singularidade, o que cada histérico poderá inventar da sua ex-sistência, tomando como norte que: se na histeria o que está em questão é o que é uma mulher, no feminino nos deparamos com o impossível de se escrever dessa pergunta.
[1] RECALDE, M. La histeria, hoy. In. VIGANÓ, A. et. al. (H)ETÉREAS: las mujeres, lo feminino y su indecible. Buenos Aires: Grama Ediciones, 2014. p. 116
[2] MORAGA, P. Cuerpos atrapados. La Ciudad Analítica. Buenos Aires, v. 5, n. 5, p. 32-35, jun. 2023. p. 35
[3] LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. p. 208
[4] LEGUIL, C. O ser e o gênero: homem/mulher depois de Lacan. Belo Horizonte: EBP Editora, 2016. p. 125
[5] LACAN, J. O seminário, livro 3: as psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. p. 209
[6] LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 221
[7] LAIÓN, A. El estrago materno em el hijo: lo indecible. Mediodicho. N. 43, p. 87-90, out. 2017. p. 90