skip to Main Content

Editorial Boletim Litorâneo nº12

Sandra Conrado

A EBP-Seção Nordeste realizou, nos dias 24 e 25 de novembro deste ano, sua III Jornada. Em consonância com o tema da AMP, “Todo Mundo é Louco”, apostou numa pergunta para encontrar, nas entrelinhas desse tema, uma questão: “Cada um em seu mundo: todos delirantes?”

“Todo mundo” soa como algo global, como globalização, como integração das diferenças, fenômeno que ao longo do tempo, em efeito forçoso, afetou as subjetividades: apagam-se as diferenças, recorre-se à igualdade, num empuxo a padronizações como se todos pudessem gozar da mesma coisa, ser feliz do mesmo jeito em obediência à ordem de ferro que apaga a singularidade. Chove-se S1. Não somos mais quem podemos ser, como canta a música dos Engenheiros do Havaii, banda dos anos 90. Hoje se é o que se quer ser.

Ao propor esse tema do todo mundo, uma ressalva se faz necessária. Como nos diz Gil Caroz em seu argumento para o XIV Congresso da AMP, esse aforismo lacaniano não diz respeito a todos os seres da terra, mas unicamente aos seres falantes que obedecem como podem ao código da linguagem e que estão imersos em um discurso que cria laço social[1].

A loucura de que se trata nesse aforismo vai além da noção clássica da psiquiatria, uma vez que ela é tratada dentro do campo do sentido, aberto a todo ser falante, seja de que lugar, na estrutura, o sujeito de instala.

“Cada em seu mundo: todos delirantes?”, proposto como matéria dessa III Jornada veio colocar em cena as singularidades dos falantes que não se acomodam com o simples fato de existir, mas como cada um constrói e se arranja num mundo das estandardizações, dado o desencantamento do Nome-do-Pai e com ele sua forma de se relacionar com o campo simbólico.

Quando Miller, apoiado em Lacan, convida o analista a ser um pouco mais psicótico, um pouco mais perplexo, a ler as coisas sem entendê-las, a não apagar o momento da perplexidade e a não sair correndo com o nosso S2[2], ele está apostando na sustentação do que pode se produzir, apesar da foraclusão generalizada.

O real como mistério do corpo falante e do inconsciente, dito por Lacan em seu Seminário 20, Mais, ainda[3], chega a nós como orientação. Se do real não se diz, isso é impossível, sua existência se faz pelo dizer, se os significantes no campo do outro já não dão mais tanta consistência ao simbólico, resta-nos o corpo falante e seu S2, resta o delírio como instrumento de saber.

É nesta direção que os textos desse boletim caminham. Claudia Formiga, coordenadora da III Jornada, inspirada no verso de Dominguinhos e Gilberto Gil: “rês desgarrada, nessa multidão-boiada, caminhando a esmo”, situa a propriedade do tema dessa Jornada. Daí, segundo ela, a proposta de se debruçar sobre o conceito de sinthoma como acontecimento de corpo para problematizar a noção de delírio.

Marcando sua fala como “Encontro dos corpos”, a diretora da Seção Nordeste, Cassandra Dias, trouxe a importância do retorno do encontro presencial, sem excluir a necessidade do on line, quando o real da pandemia se impôs. Manter a psicanálise viva, contornar esse real é inerente à ética do desejo do analista que em cada época se reinventa e reinventa também um lugar para a psicanálise trabalhar. Seu texto também vai destacar o novo real, desmascarado e sem lei, e aponta para a subjetividade da época, a necessária politica que no Uno e no âmbito da AMP, garante ao analista uma leitura do que se passa nos corpos e na civilização.

Francisco Santos nos apresenta, sem perder um detalhe, o trajeto de dois dias de trabalho. Seu texto vai pontuar os acontecimentos traçados em cada mesa de trabalho. Da plenária que discutiu o título da Jornada, dos ensinamentos do passe, dos trabalhos de investigação dos núcleos do recém-nascido IPSIN e das demais mesas de trabalho, que levaram cada um a expor suas práticas, endossando a singularidade de cada trabalho, na importância de se estar atento ao que a civilização nos oferece.

Francisco também destaca a presença de Rômulo Ferreira, convidado da III Jornada, suas intervenções, suas falas nos dois seminários e a contribuição dele dada às mesas de trabalho.

Desejamos a todos uma boa leitura!


[1] https://congresamp2024.world/pt-br/o-grau-zero-da-loucura/

[2] http://www.opcaolacaniana.com.br/antigos/pdf/artigos/JAMDelir.pdf

[3] LACAN, Jacques. O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 178.

Back To Top