Anamaria Vasconcelos

Caros colegas,

É com imensa alegria que hoje, ao lado dos colegas do Conselho, abrimos para mais um ano do Seminário de Orientação Lacaniana. Esse seminário é uma atividade que se dedica à “subsistência do ensino de Lacan”, como bem coloca Carlos Augusto Nicéas que, com sua escrita, marca viva da sua presença entre nós, continua sua transmissão e seu ensino em nossa Escola.

Lembro também de Beatriz Udenio que, em uma transmissão livre, retoma Miller e nos ensina ao perguntar e, ao mesmo tempo, responder que a palavra seminário não é senão um lugar que implica apresentar e compartilhar, com alguém ou com um grupo de colegas, pequenos passos que vão se dando a respeito do que não se sabe.

Essa atividade, Seminário de Orientação Lacaniana, é aberta a cada um dos interessados, a cada um daqueles que se sintam tocados e implicados no discurso analítico, a cada um daqueles que, advertidos por Freud e Lacan, inquietam-se com a inconsistência dos tempos que correm. Tempos que açoitam a obra de Freud e Lacan com a falsa garantia do discurso da ciência apoiado nas quantificações e nos protocolos.

Aprendemos com Lacan que os conceitos podem ser amortecidos com o uso habitual, rotineiro, com a transformação da contingência no necessário, como no campo do amor. Lacan nos fez ver isso ao dissolver a EFP – Escola Freudiana de Paris – e, dirigindo-se aos analistas, em sua Carta de dissolução, com um rasgo de esperança, solicitou que estes mostrassem o que sabem fazer além de desandar um ensino precioso. E é com essa esperança, junto com o que pôde aprender com a sua experiência na EFP, que funda a ECF – Escola da Causa Freudiana. E assim, Lacan coloca toda a ênfase na função da palavra e da linguagem no campo da psicanálise, lançando luz em conceitos que se degradavam com uso rotineiro e banal, retorna a Freud, até chegar ao momento onde, sustentando sua questão, lança-se em seu último ensino.

A Orientação Lacaniana diz respeito a cursos sustentados por Jacques-Alain Miller por mais de 30 anos. Uma demonstração daquele que sabe ler Lacan. A partir de uma pergunta feita desde Freud, passando por Lacan – Como se ensina aquilo que não se pode ensinar? – é que Miller sustenta seu ensino.

E é com esses cursos de Miller que cada Seção da EBP abre suas portas anualmente. Este ano, o Conselho Deliberativo da Seção Nordeste, instância que responde por essa atividade, optou trabalhar o curso entitulado Todo mundo é louco. Tal escolha se deve não apenas pela consideração de que sua leitura nos ajudaria em nossa preparação para o congresso da AMP em 2024, mas fundamentalmente por trazer um ensino conceitual importante, antenado com a leitura de nossa época e seus novos significantes.

A expressão “Todo mundo é louco” foi usada  por Lacan, pela primeira vez, em seu texto Talvez em Vincennes, em 1978, após seu Seminário O momento de Concluir (1977-1978), a pedido de Miller. Lacan nos diz que o discurso psicanalítico nada tem de universal e por isso mesmo não é matéria de ensino, e acrescenta que Freud considerou que tudo é apenas um sonho, e que todo mundo é louco, ou seja, delirante. Miller, em seu curso, faz uma leitura atenta e detalhada deste texto nos capítulos 04 e 11. Lacan nos diz que o analista poderá extrair da sua própria análise o saber de que ele se serviu, e é desse modo, enquanto analisante, que Miller sustenta seu curso. Miller nos demonstra que apesar dos tempos que correm, da contingência do real que impera em um mundo cifrado, orientado pelos protocolos, números e quantificações, há um modo de enfrentamento possível: reinventarmo-nos de maneira atenta à nossa clínica, no um por um e com a bússola de nossas análises. Deste modo, temos esperança de encontrarmos saídas ao fazermos invenções, como aponta Miller. E nesta aposta propusemos um novo modo de trabalhar no Seminário de Orientação Lacaniana, buscando furar o silêncio que o mestre produz e tentando nos situar como analisantes que somos para que haja transmissão.

¹ Texto de abertura do Seminário de Orientação Lacaniana da Seção Nordeste em 14/03/2023, enquanto Presidente do Conselho da Seção Nordeste.