Késia Ramos (EBP/AMP) Nesta edição do Litorâneo #17, a construção da editoração imagética nos…
Savoir-y-faire avec…
Késia Ramos – Comissão do Boletim Litorâneo
O Boletim Litorâneo Número 10 traz, em sua edição de arte, a temática da “memória”, ilustrada nas obras de Noriko Kuresumi e Sophia de Mello Breyner Andresen.
Memórias fundadas nas intensas vivências infantis, compostas pela presença do oceano.
Tais experimentações com o mar, no continente asiático e nas águas lusitanas, historicizaram e demarcaram o estilo e a produção de cada artista.
Noriko Kuresumi nasceu no Japão e cresceu na região de Chibaken, situada na Baía de Tóquio. As esculturas de Kuresumi são criadas à mão e feitas de porcelana. Todas são intituladas de “Mar da Memória”. Em entrevista para o jornal The New York Times, na edição de setembro de 2018, a artista cita: “O caractere japonês para a palavra ‘mar’ tem o caractere para ‘mãe’… O Oceano é a mãe da Terra”.
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu em Porto. A partir da forma clássica de expressão poética, de um predomínio lírico em sua dicção, descortina a temática do mar. Foi a primeira mulher poetisa portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prêmio Camões, em 1999.
Desde 2005, no Oceanário de Lisboa, os seus poemas foram colocados para leitura permanente nas zonas de descanso da exposição, permitindo aos visitantes absorverem a força da sua escrita enquanto estão imersos em uma visão do fundo do mar. Foi o meu primeiro encontro com a poesia de Sophia Andresen.
Na alçada do trabalho realizado na comissão editorial do boletim Litorâneo da EBP Seção Nordeste, no período de 2021-2023, transcorreram pesquisas e elaborações articuladas entre o corpus epistêmico e o âmbito das artes enlaçadas em seu endereçamento ao Campo da Psicanálise de Orientação Lacaniana. Dessa relação com a arte, o psicanalista se aprimora nos dois modos de tratamento do real, que articulam inconsciente, linguagem e corpo.
Extraio, dessa experiência de trabalho com o boletim, a possibilidade de ter colaborado para o nascimento de um veículo de comunicação que traz, em sua história, o tempo inaugural da Seção Nordeste.
Elaborar, inventar, mergulhar e navegar nesse “Litoral Seção Nordeste”, valorando e sustentando a lâmina cortante da psicanálise e a sua presença na civilização.
Na tessitura desse “mar” da Psicanálise de Orientação Lacaniana, circunscrevi o meu desejo de analista.
Savoir-y-faire avec…
E assim, concluo.
POEMA[1]
Sophia de Mello Breyner Andresen
A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada.