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Para Além da Imagem-Movimento

Késia Ramos

A própria etimologia da palavra “cinema” é a abreviação de “cinematógrafo”. “Cine”, vem do grego e significa movimento, e o sufixo “ágrafo”, aqui, significa, gravar. Assim, temos uma imagem em movimento gravado.

No entanto, a criação do cinema foi resultado do esforço de vários inventores que trabalhavam para desenvolver aparelhos para captar e projetar imagens em movimento. Destacarei alguns desses grandes inventores que presentearam a humanidade com esta fabulosa invenção.

Lançado, em 1894, na fábrica comandada por Thomas Edison nos Estados Unidos, o cinetoscópio era uma máquina individual onde se assistia filmes de curta duração. O invento só foi possível porque Edison criou uma película de celuloide capaz de guardar as imagens e, assim, projetá-las através das lentes.

Os irmãos Auguste Lumière e Louis Lumière eram filhos de um fabricante de materiais fotográficos, cuja fábrica estava localizada na cidade Lyon, na França. Apaixonados por inventos e fotografia, desenvolveram o cinematógrafo. Ao contrário dos outros aparelhos, este permitia gravar e projetar as imagens, tornando a atividade mais prática. Posteriormente, pesquisaram e aperfeiçoaram as primeiras câmeras fotográficas, contribuindo para o surgimento da fotografia colorida. Através do cinematógrafo, começaram a realizar seus primeiros filmes que consistiam em captar imagens com o aparelho parado.

No ano de 1895, em Paris, no “Grand Café”, foi realizada a primeira projeção cinematográfica tal qual conhecemos. Assim, em uma sala escura, foram projetados dez filmes de curta duração como “A chegada do trem à estação de La Ciotat” ou “A saída dos operários da fábrica”.

No mesmo ano de 1895, Sigmund Freud publica, com Breuer, seu primeiro livro, Estudos sobre a histeria, uma apresentação da teoria psicanalítica. Desse modo, a Psicanálise e o cinema nascem juntos. De um lado, a psicanálise interpreta a obra de arte e o artista por meio do segmento da psicanálise, arte e artista; de outro, Freud não ignora que o artista antecipa certas descobertas do analista. Sendo assim, o cinema, como sétima arte, possibilita à psicanálise discorrer, criticamente, seus conceitos e sua prática, permitindo pensar sobre o homem e sua obra. E a psicanálise consente ao cinema, e às artes em geral, desvelar muito sobre o sujeito contemporâneo e seu mal-estar.

Encontraremos, também na teoria de Jacques Lacan, o desenvolvimento desse argumento, que considera a arte como saber que sempre antecipa a psicanálise, discorrendo sobre a função da arte de modos diferentes, ao longo de sua obra, depreendendo formas de pensar a arte em sua relação com o real. Ensina-nos que a verdade tem estrutura de ficção, possibilitando pensar a psicanálise sob as lentes do cinema. Afinal, o discurso cinematográfico é a própria estrutura de ficção posta em ato através da encenação e articulação de significantes que se justapõem entre os cortes, enquadramentos, cenários, trilha-sonora e diálogos de uma trama, etc.

Em outras palavras, a linguagem cinematográfica possui um modo de operação simbólica;  assim como em um sonho, tudo o que se vê em um filme está articulado em uma cadeia simbólica que compõe a narrativa do filme. Nada que é visto é aleatório, casual, até mesmo o que foi deixado no making off, fora do enquadre, compõe a cena também.

O fato histórico é que o cinema se constitui narrativo, apresentando uma história, conduzindo à indagação sobre o cinema-linguagem: é uma língua universal da humanidade? Ou mesmo, em que condições o cinema deve ser considerado uma linguagem? Em meados de 1965, com a vigência do estruturalismo, o cinema é tomado como linguagem, fazendo uso de elementos semióticos e teoria do sujeito e do objeto, que são os aportes da psicanálise freudiana e lacaniana ao cinema.

O que significa ver um filme sob as lentes do discurso analítico? O que um filme pode nos ensinar sobre algo da psicanálise? Questões que norteiam adentrar no campo da montagem cinematográfica, testemunhar os “…impasses, paradoxos, contradições e reversões do labiríntico universo humano, muitas vezes ilustrados, revelados nos filmes” como nos ensinou Stella Jimenez.

Para além da imagem-movimento, tanto Sigmund Freud quanto Jacques Lacan trabalharam com a hipótese de um inconsciente ótico, repleto de imagens, e privilegiaram a correspondência entre as artes e a psicanálise, pois ambas se prestam a explorar os mistérios da alma humana. E o cinema, esse “dispositivo cinematográfico”, uma tela sonora, onde estão presentes os objetos lacanianos, o olhar e a voz, estetizados, que se entrecruzam, excitando notavelmente os sentidos, convocando estados de grande exaltação da alma e suas paixões.

Assim, no dia 19 de abril de 2022, foi inaugurada a atividade do Cinema e Psicanálise, na Escola Brasileira de Psicanálise Seção Nordeste, ante minha coordenação. A proposta da atividade não só aplica a psicanálise ao cinema, como o cinema à psicanálise. Mas, investigar e conversar sobre o que a sétima arte põe em evidência através de suas criações.


Bibliografia
A Imagem-Tempo, Gilles Deleuze. Editora Brasiliense, 1990.
No Cinema Com Lacan – o que os filmes nos ensinam sobre os conceitos e a topologia lacaniana, Stella Jimenez, Editora Ponteio, 2014.
A Interpretação Dos Sonhos [1900], Sigmund Freud. Editora Companhia das Letras.
História do Cinema: Dos Clássicos Mudos ao Cinema Moderno. Mark Cousins. Editora Martins Fontes, 2013.
O Seminário, Livro 11 os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Editora Jorge Zahar, 1990.
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