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Ressonâncias Noite da Biblioteca

Além do Princípio do Prazer – 1920/2020

Suele Conde Soares

No litoral da palavra, uma biblioteca vive. É isso que ressoa da atividade da Biblioteca EBP seção Nordeste em cuja apresentação contou com a arte (poesia, música, cinema) para abordar a pulsão. Vida e morte.

Cenas do filme Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, incitam ao debate. Em sua identidade nordestina, o filme nos lança ao encontro da vida que persiste “apesar de…”. O Museu Histórico de Bacurau com seus objetos simbólicos convoca nossa identidade desértica. Essa identificação com o árido do sertão: a fome, a seca, a vida que pulsa e ex-pulsa.

“Todo dia é dia D”, a música cantada por Gilberto Gil nos fala ao ouvido de amor e de morte. “De amar-te, de a morte morrer”. Se a pulsão, para Freud, é uma mitologia; O cangaço é a nossa mitologia. É por meio do cangaço que, com a crueldade sofrida e implicada ao outro, Lampião e seu bando fazem com o sertão, seu e do Outro. No oratório do Museu de Bacurau a foto de um cangaceiro indica a que “herói” o povo deve rezar. Os óculos de Virgulino Lampião não servem ao forasteiro que com sua pouca fé duvida daquilo que pulsa e resiste no sertão. Povo sertanejo, povo nordestino que fora do mapa inscreve seu lugar com o B de bala que, por tantas vezes, se faz necessário e único meio do pulsar da vida.

Essa identidade nordestina imprime, sob a quentura do sol, o pino da arma que não desejamos, por muitas vezes, empunhar, que desejamos, bem mais, que pelas janelas da escola o olhar se voltasse para o saber, para as letras e seus voos através das bocas das crianças. Crianças falantes, não caladas, rente ao chão. Se tudo vem da terra, do solo árido também pode brotar a vida, bruta. Há muito labutar nesse chão. Todo Dia.

Tudo é palavra, tudo é sopro. A língua do Outro é sempre uma invasão, mas se ela há de vir, que venha na paz. Se não, desembainharemos com a letra P a peixeira cortante do céu e do solo da gente que, com a força do cangaço de Virgulino Lampião e seu bando, resiste.

Cem anos. Séculos de uma obra que atravessa o tempo e traz suas ressonâncias, em pleno século XXI, a essa terra Brasil num contexto político em que vemos despertar a face cruel de um nazifascismo colorido de verde e amarelo, mais amarelo do que verde. Se Freud imprime à psicanalise a marca de uma invenção de seu tempo, que tratamentos ao real de nossa época poderemos vir a inventar?

Todo o Nordeste brasileiro é percorrido por uma faixa de litoral que vai do Delta do Parnaíba ao Recôncavo Baiano. “O litoral brasileiro é beneficiado pelas condições favoráveis de navegação de cabotagem durante o ano inteiro”.[1]

Navegação de cabotagem, navegação entre portos marítimos sem perder a costa de vista, sem deixar de lado o real. Como já dizia o poeta Fernando Pessoa, Navegar é preciso, viver não é preciso.

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Litoral_do_Brasil

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