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Ressonâncias Conversações Preparatórias para a I Jornada da Seção Nordeste

Corredor

Marcella Ribeiro

A densidade posta pelas fórmulas da sexuação, a sexualidade e suas diferenças são assuntos vivos na psicanálise lacaniana. Alcançá-los, talvez, através da linguagem, se coloca como a primeira questão: qual uso possível da escrita para traduzir as impressões que aparecem no corpo, na clínica, na atualidade?

“Sobre o corpo falante: sexuação, diferença sexual e relação sexual”, o texto de Jésus Santiago é o norteador em mais uma conversação preparatória para a primeira Jornada da Seção Nordeste. Ampliou mais, ainda, a potência que a psicanálise carrega; denunciar os semblantes e suas mutações.

Inicio com a indicação de Lacan no Seminário 20: “Se se pode dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem é no que os efeitos de alíngua, que já estão lá como saber, vão bem além de tudo que o ser fala é suscetível de enunciar”(Lacan, 1972, p.149).

Com o espaço aberto, fomos amparados pelos comentários de Cleyton Andrade e Liège Uchoa que nos convocaram à aproximação das sutilezas advindas da diferença sexual e dos modos de gozo.

A partir da discussão sou tomada por algumas passagens. A primeira, trazida por Liège, ao afirmar que não se separa sexo da identidade sexual, os dois sexos biológicos precisam ser preservados. Essa preservação nos conduz ao embate com os discursos contemporâneos que ainda insistem nas classes identificatórias.

Enfrentar as questões do tempo do Outro faz com que a psicanálise reconheça as demandas de um coletivo, mas sem tomá-las por respostas generalistas. A clínica do sujeito aponta que a subjetivação não passa sem a diferença sexual. Com essa afirmação, arrisco dizer: a psicanálise está aí para salvar, salvar o ser falante que se afoga com as inundações da lalíngua, do gozo sem baliza, e que esbarra com as grandes convenções perpetuadas pelos ideais de uma sociedade.

Assim, pensar que: “O discurso do inconsciente é uma emergência, é a emergência de uma certa função do significante.” (Lacan, 1971, p.21), é por si só, um apelo, onde há uma escansão subjetiva em que o sujeito volta a tomar ar, reconstrói um corpo possível, retoma a voz. A urgência me fez pensar no ato desesperado de comunicar o incomunicável, de escapar da abocanhadura do Outro.

Ainda na tentativa de escapar, um comentário surge constatando: “a linguagem é machista”. E já que estamos às voltas com os semblantes, hei de brincar um pouco com os dizeres de uma camiseta masculina: “Se tá ruim para você, imagina para quem já me teve e me perdeu.”, essa frase, que mais parece uma ameaça de castração, me capturou à primeira vista.

Às voltas com os modos de gozo, o todo fálico se ancora naquilo que Lacan nos apontou no Seminário 18: “O falo é, muito propriamente, o gozo sexual como coordenado com um semblante, como solidário a um semblante” (Lacan, 1971, p.33). Sua solidariedade cai por terra abaixo no instante em que a relação sexual inexiste, mas sustentando a posição de ser o falo, o mesmo sujeito usa outra camiseta, desta vez com: “Desculpe se não te entendo é que não sou fluente em mimimi”. Mesmo sobreaviso de que é semblante, indago: o que o sujeito pode ensinar à psicanálise nos tempos atuais sobre a recusa dessa operação? Quais atravessamentos podem ser recolhidos na clínica?

O Nome-do-Pai, o grande Outro e o falo ao serem deslocados dos grandes ordenadores psicanalíticos para o espaço dos semblantes ganham nova funcionalidade. Usá-los como conectores demonstra a multiplicidade dos caminhos que o inconsciente se aventura, essa virada me fisgou dos pés à cabeça com a indicação dada por Cleyton para os iniciantes: “É necessária uma vacina para combater o fatalismo melancólico de que frente ao Real não se tem o que fazer”.

À altura da nossa época, a vacina é uma aposta do coletivo para salvar vidas. Logo, é possível pensar que recair no fatalismo melancólico é a própria negação do desejo? Seria, o desejo, o operador psicanalítico possível para pinçar os conectores?

Adoraria finalizar transcrevendo a canção “Portas” de Marisa Monte, pois sua letra me fez companhia na escrita. Falar sobre as portas, tantas portas, a certa, a única. O sujeito que procura um analista se serve da escuta provocadora de questionamentos, uma tentativa de acompanhar os dilemas do seu tempo para além da adaptação. Afinal, sobre as portas, “Não tem que ser uma única, todas servem pra sair ou para entrar. É melhor abrir para ventilar esse corredor”.

Abram-se as portas para os enigmas do corpo falante. A clínica nos ensina que é fundamental correr a dor.


Referências
Lacan, J., O Seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante  (1971). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2009.
Lacan, J., O Seminário, livro 20: mais, ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
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