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O amor entre presença e ausência  

Ricardo Seldes

Lacan disse de forma contundente: O único que fazemos no discurso analítico é falar de amor. E agregou: isso já é um gozo. Esta relação não é tão evidente. Podemos sustentar que falar é em si mesmo um gozo, responde ao princípio do prazer, que desde Freud é um gozo por outros meios.

Há uma relação entre a palavra e o amor? Entre o dizer e o amor?

No discurso analítico, segundo Lacan, é o amor o que permite ao sujeito coordenar seu gozo com uma experiência significante

O amor é uma demanda, ainda que fique sem resposta. É uma demanda que se dirige ao ser, mas a um ser inapreensível porque não tem que responder. O amor se dirige a esse ponto da palavra em que a palavra se detém. Quando o sujeito se encontra nesse ponto, tem duas possibilidades: ou tenta fechá-lo com falta de palavras, ou o fecha com um tampão.

O que quer dizer que não há relação sexual? Que quando se tenta apreender o corpo do Outro, não se apreendem mais do que pedacinhos e ainda que somando-os, não se chega a completar o corpo; talvez isso seja o que mais lastima a algumas histéricas quando se sentem objeto sexual da perversão do gozo masculino, o que separa pedacinho por pedacinho sem dar essa sensação de unidade própria que o amor outorga.

O que falta é sempre o essencial. O importante é o que não se alcança dizer. Tomar ao corpo assim, por pedacinhos, e não completá-lo nunca, permite seguir desejando para não estar satisfeito de si.

É possível satisfazer a demanda de amor? Aqui não há um gênero que demande mais que outro, nem sequer os que se percebem sem gênero específico, os não-binários tampouco ficam isentos das demandas de amor. O que pode em qualquer caso chegar à violência, contra si ou contra os outros. Captamos muitas vezes como há certas posições sacrificiais seculares ou religiosas que implicam em si mesmas uma demanda de amor. Se não me amas, me sacrifico ou me sacrifico para que me ames. Veja se isso não é um gozo!!!!.

Outra demanda particular é a demanda de presença. Podem ser palavras de amor, carinhosas, melosas, eróticas, ou signos de que alguém é tudo para o outro. Ser a única, o único, base dos ciúmes, ou com certo deslocamento, como no fantasma de bate-se em uma criança: Se Batem em uma criança a quem odeio, logo eu sou querido ou querida.

Se meu pai bate nessa criança, logo eu sou quem encarna sua preferência. Isso até chegar a “se meu pai me bate é porque eu importo a ele”, logo, me ama. Nada está dito com todas as letras, sempre se tratará de poder chegar a uma interpretação da posição à qual o sujeito aspira, ou, melhor dizendo, na qual o sujeito é aspirado.

O amor implica uma pergunta eterna, com a necessidade de um signo que vai variando,  mas deve estar presente. Me amas? Como sei disso? Grande questão, o que se sabe do ato de amar? Quero tua presença, tuas palavras, teus objetos, teu click azul no WhatsApp; mas se vejo o click azul, quero uma resposta já; e por que não me respondestes de imediato? Por que não atendestes meu chamado telefônico? E ele, ou ela, ou quem quer que seja como queira chamar, encontra 12 chamadas seguidas. Presenças excessivas, quase uma persecução amorosa, ciumenta ou não.

A exigência da presença pode ser infinita. Ainda, que na pandemia tenhamos tido a experiência da sobrecarga dos que anteriormente se enlouqueciam por não obter esses signos permanentes. Quero sentir saudades suas, é a nova demanda…

Por outra parte, quando a demanda de amor não fica satisfeita, uma possível resposta é o ódio. Te odeio porque te amo, te odeio porque te necessito tanto; e porque te odeio tanto, então te amo.

Aí é preciso fazer uma diferença com a violência. O ódio não tem porque derivar em violência. A violência é a satisfação da pulsão de morte. Destaquemos, com efeito, que o adversário de Eros não é o ódio, é a morte, Tânatos. Há que diferenciar a violência e o ódio. O ódio está do mesmo lado que o amor. O ódio, como o amor, estão do lado de Eros. É a razão pela qual Lacan justifica falar de odioenamoramento, vocábulo afortunado. O amor, como o ódio, são modos de expressão afetiva de Eros. O ódio está do lado de Eros, com efeito, é um laço com o outro muito forte, é um laço social eminente. O analista deve fazer um manejo particular do amor, do ódio e dos demais sentimentos. O discurso analítico implica  a armação de uma cena especial onde se escute um monólogo para oferecer efeitos apaziguadores.

Façamos um breve intervalo para evitar nosso desespero, uma palavra que se aproxima muito de algumas circunstâncias amorosas, em ocasiões é condição necessária para viver um grande amor, deve incluir a possibilidade do desespero. Em muitas ocasiões, encontra-se uma erotomania mais ou menos manifesta. Como pode ser que não me ames? Não pode ser que tenhas deixado de me amar…

O que é, que se ama quando amo em ti, algo mais que tu, e me leva a querer te mutilar?

Uma breve passagem ainda antes de tentar entender o que significa que só falamos de amor no Discurso Analítico. Passaremos pelo que demandamos a nossos neuróticos, que falem. Lacan encontrou muitas formas divertidas, irônicas, esclarecedoras, acerca da regra fundamental que propomos aos que nos consultam, e que é o sinal de um discurso que se afasta dos outros.

O sujeito é propriamente aquele que engajamos, não como dizemos a ele para encanta-lo, engajamos a dizer tudo mas, como assinala Lacan, não se pode dizer tudo, senão que o pedimos a dizer besteiras e esse é o material com o qual vamos fazer a análise para entrar no novo sujeito que é o do inconsciente.

Nossas perguntas: O que o inconsciente sabe do sexo? Saberá algo do amor? Podemos afirmar que o sujeito do inconsciente sabe ler e se não o sabe, pode aprender; essa é nossa suposição.

Não somos os únicos em tentar saber algo novo acerca do amor.

Pensemos que o discurso filosófico situa o amor em seu centro. Platão, Spinoza com seu amor est titillatio, o amor é excitação, faz cócegas, é prazeroso. Toca o corpo.

Há algo que vai mais além da condição que se precisa para amar, enquanto que é a linguagem se querem, podemos dizer é a língua, a materna, a que nos faz gozar desde os tempos nos quais sua pressão choca com nossos corpos. Gozamos porque temos um corpo e temos um corpo porque há esse encontro do significante que nos toca, nos atravessa sempre muito cedo ou muito tarde, em falta ou em excesso. Um corpo é algo que se goza e é a prova clara do vivente. E enquanto ele se encarna de maneira significante, esta é sua causa.

Tomemos um filósofo que se ocupou do amor, Schopenahuer, para quem o amor é fundamental. Ele diz, não somente na literatura que consumimos, mas no mundo real onde junto com o amor à vida, é a mais poderosa e ativa das molas: é o fim último de quase todo esforço humano; tem uma influência perturbadora sobre os mais importantes assuntos; irrompe a toda hora as ocupações mais sérias, às vezes faz cometer bobagens aos mais engenhosos; não tem escrúpulos em lançar suas frivolidades através das negociações diplomáticas e dos trabalhos dos sábios; tem trejeitos para deslizar seus doces bilhetes e seus cachos de cabelo, até nas mesas dos ministros e os manuscritos dos filósofos, o que não lhe impede ser diariamente o promotor dos piores e confusos assuntos; rompe as relações mais preciosas, quebra os vínculos mais sólidos, escolhe por vítimas tanto a vida como a saúde. Também quebra à riqueza, à linhagem  ou à felicidade que faz do homem honrado um homem sem honra, um traidor, e que parece um demônio que se esforça em transformar tudo. Daí sua pregunta: Por que tanto ruído? Por que esses esforços, essas explosões, essas ansiedades e essa miséria?

E nós fazemos um ENAPOL, falaremos para tentar produzir um pouco de silêncio no ruído que o amor faz em nossos consultórios. Parece uma resposta do obsessivo, não o desminto.

Para Lacan, o discurso filosófico é uma variante do discurso do mestre, o explicará enquanto o amor aponta ao ser, ao que na linguagem é o mais enganoso, o ser que por pouco iria a ser, ou, o ser que por ser, surpreende. Está próximo do significante meser, mêtre é homónimo do Mestre.

Lacan não rechaça a filosofía,  mas,  sim  a História. Diz que a detesta pelas melhores razões, porque está feita para nos dar a ideia de que tem algum sentido. E é a partir disso que esclarece a relação da regra fundamental com o amor. Estamos frente a um dizer de outro que nos conta suas besteiras, seus apuros, seus impedimentos, suas emoções,  onde se deve ler os efeitos desses dizeres. São esses efeitos dos dizeres os que agitam, removem, preocupam aos parlêtres.

Falar besteiras é uma verdadeira improvisação, algo que na época do zoom e dos chamados telefônicos analíticos coloca os sujeitos em uma situação mais difícil que a de ir até o consultório onde já poderiam ir delineando algo do que diriam.

Sabemos que muitas vezes são feitos esforços para chegar a tocar a esse personagem frio, às vezes inhumano, que o analista faz semblante como objeto a, e os sujeitos experimentam amor e ódio que são muito. Seu objetivo: que os analistas mostrem seu compromisso com o que fazem.

Do outro lado, o que Lacan chamou uma vacilação calculada da “neutralidade” do analista que pode valer para uma histérica mais que todas as interpretações, ao risco da loucura que pode resultar disso. É fundamental que isso conduza a algo, que sirva para que as consertem, para que eles se arranjem, para que cheguem a dar uma sombra de vidinha a esse sentimento dito de amor. É necessário que isso ainda (mais ainda), dure e chegue à reprodução dos corpos. Não haverá outro efeito que o de levar a se reproduzir? Lacan responde que se há outro efeito que é o escrito, esse é outro efeito da linguagem.

Lacan se perguntou sobre o sintoma analítico e o definiu em termos de um processo de escritura. Na psicanálise e seu ensino o chamou de hieróglifos do deserto. É uma letra sem seres humanos que restituam sua significação. É muito interessante o problema porque questiona a pergunta do sujeito suposto saber que não é senão um caminho, o caminho para que se possa admitir o inconsciente como saber sem sujeito.

É o amor o que permite ao sujeito condescender ao inconsciente como saber sem sujeito que é o centro da experiência analítica. Isto é, que o amor é o que permite coordenar seu gozo com uma experiência significante. Um saber sem sujeito é um saber sem Outro que não está no lugar do Outro. Não há que redobrar o que o artifício da palavra já faz, que é localizar o saber no lugar do Outro.

Isso é pensar o inconsciente em seu absoluto de significante antes que qualquer ser humano lhe restitua uma significação.

Lacan precisa situar que  o Outro à época do Seminário 20, não é somente o lugar onde a verdade balbucia o lugar dos equívocos, do inconsciente. O Outro representa aquilo que está relacionado intrinsecamente com o que quem fica do lado da mulher. Por ser Outra na relação sexual, inclusive para si mesma, a mulher tem relação com o Outro enquanto que o homem tem com o Um, com o mesmo. Há algo que relaciona o Um com o não-todo, de fato não todos os Uns são o mesmo.

Tendo isto de base, o que significa que no discurso analítico só se fala de amor?. E Lacan o relaciona com o discurso da ciência e da técnica, o grande produtor de gadgets, os que nos fazem perder o tempo.

E é nesse ponto do seminário 20 que Lacan decide retomar ao tema do amor cortês, do que já havia falado no 7.

O amor cortês é a invenção literária, poética e musical própria dos trovadores das cortes ocitanas do século XI. Do occitano Finamors, amor perfeito, esta literatura, que originalmente se dirigiu a um público de corte, passou a ser parte da vida de todos. Evocava ao mesmo tempo a cortesia requintada e o refinamento próprios da sociedade aristocrática, e seu contrário, uma crua maneira de utilizar os significantes referidos ao amor enquanto proibido e oculto, idealizado, humilhante e exaltante, excessivo e poético, erótico e também duro, descarnado.  É um amor que exige ao homem ser amante e servil enquanto a mulher é levada à categoría de dominante e indulgente.

Suas consequências perduraram durante centos de anos. Consistem essencialmente em despir ao amor de seu conteúdo sexual, procedimento pelo qual a relação sexual deixa de ser impossível de ser inscrita, por isso mesmo de esquecer. Se ao contrário, partimos da afirmação que o gozo é o obstáculo intransponível  para que a relação sexual possa se inscrever de alguma maneira, isso assinalaria que o amor cortês é um artifício para vê-las com dito gozo. Um misterioso artifício.

Na busca de suas peças soltas, tentamos elucidar alguns dos mistérios deste tipo de amor, esse modo particular de fazer vínculo com o outro, talvez com o Outro, para permitir ao sujeito sair de seu autoerotismo. Lacan disse que o amor cortês é o amor como tal, em um estilo de laço espiritual ainda que impuro.

Se conhecem as letras de suas canções, de seus diálogos que não somente estão inscritos em linguagem corrente, algo verdadeiramente inédito para as artes da época, senão que incluem em suas metáforas e expressões referências das mais escatológicas, ditas de um modo muito inocente. A escolha da língua se vinculou explicitamente com o público ao qual se apontava, o universo secular dos cortesãos para separá-la explicitamente da literatura e da linguagem religiosa.

Sinalizamos em outro texto, “Indicações ao analista”, a incidência linguajeira dos trovadores e menestréis  na vida laica, com sua incidência evidente no gozo de sua época.

Segundo Denis de Rougemont, (1) a quem Lacan mencionou em mais de uma oportunidade, o casamento no século XII se havia convertido, para os senhores, em um meio de enriquecimento e de anexação de terras dadas em dote ou esperadas por herança. Quando o “negócio” ia mal, se repudiava à mulher. Os abusos geravam infinitas querelas e guerras; em troca, o amor cortesão opu -nha uma fidelidade independente do casamento legal e fundada somente sobre o amor. Chegava, inclusive, a declarar que o amor e o casamento não são o mesmo, questão não difícil de demonstrar hoje em dia. O Romance não perdeu ocasião de rebaixar a instituição social, de humilhar o marido  chamando-o de rei com orelhas de burro, sempre tão facilmente enganado, para glorificar a virtude dos que se amam fora do casamento e contra ele. Esta fidelidade cortesã apresenta seu traço essencial: se opõe tanto ao casamento como à “satisfação” do amor.

Lacan estudou os trovadores e sinalizou que este amor surgiu em uma época na qual “se fazia o amor com vigor, não se fazia disso um mistério, se falava cruamente”. (2) Comenta um poema de Arnaud Daniel, um dos mais sutis e refinados dos trovadores que criou um hapax, uma invenção única que, segundo Lacan, com grande delicadeza,  transbordou os limites da pornografía. Lacan se toma o tempo de ler esse poema em uma aula de seu seminário, na qual o cavalheiro recebe uma ordem de sua Dama de emboucher sa trompette, a ordem de abocanhar sua trombeta. Essa expressão no texto não tem um sentido ambíguo. Essa ordem constitui uma prova com a qual se medirá a dignidade de seu amor, de sua fidelidade, de seu comprometimento.

A mulher idealizada, a Dama em posição do Outro e do objeto ao mesmo tempo, permite sublimar com os significantes apropriados,  o vazio da Coisa. O sentido corre inexoravelmente em direção a certa insistência cruel, ela, a Dama, a Domnei, o Outro Amo, parceiro inhumano, desloca o gozo até o gozo de palavras que são as que preenchem o amor cortês.

Os textos revelam as correntes libidinais mais robustas em cenas onde os jardins e pomares povoam com sua decoração bela e festiva. Formam o espaço onde os encontros proibidos dos parceiros jogam com o perigo, a sedução e o encantamento em um ritmo sexual interruptus, o que nos revela o gozo dos prazeres preliminares com os que Freud ilustra o aumento de tensão prévia à conclusão sexual nos corpos. O amor cortês, em sua definição de inacessível, indica as habilidades que há que ter, para chegar a franquear a barreira e alcançar o lugar do gozo, evitando a concretização do ato sexual. Para Miller, Lacan demonstrou que, o que perturba os modos de gozo não é o inacessível da barreira, senão o impossível, o que alivia algo dessa concepção dura da zona reservada e atroz da mulher no lugar da Coisa. Trata-se pura e simplesmente de um impasse, não sem satisfação já que se goza com o significante que segue sendo sua causa. O amor cortês nos mostra também a cara menos visível do laço amoroso, a que logramos captar na experiência analítica do automaton, o que fixa e arma as condições de amor e gozo de um sujeito. Será logo que virão os encontros e os acasos  que os permitirão, ou não. (3)

A alcova e a torre, encobrem os amantes, a sua paixão palavreira e elevam ao grau de parceria,  a conquista do confinamento feminino por parte do amante, a quem ela lhe termina ensinando as “boas maneiras” de amar a uma mulher. O infinito é o tempo destas relações, sua abolição é produto da permanente exaltação do mundo sensorial feito de palavras, e a declamação permanente dos gozos possíveis, na virtualidade sem máscara nem álcool em gel: pura presença.

Rougemont se perguntará também por quê preferimos a todo relato o de um amor impossível, o amor insatisfeito na perpetuidade; dois personagens: o poeta que repete sua queixa, oitocentas, novecentas, mil vezes, e uma dama que sempre diz que não? Se deseja o obstáculo, se é preciso o criamos, o imaginamos. O amor não é outra coisa que um dizer que faz acontecimento. Algo essencial em toda psicanálise, dado que o analista realiza um raro manejo dos sentimentos ao se fazer agente de seu discurso. Isso não somente não impede senão que provoca no analisante a busca do signo de amor, ou eventualmente de ódio, vivo, dentro de uma cena transferencial que, insistimos, é sempre  a dois.

O amor cortês é tão herege como os trovadores que o elogiaram na época dos cátaros. Trata-se, assim mesmo, de uma posição que respeita os semblantes, enquanto as boas maneiras são o semblante requerido em torno da falta: não há outras boas maneiras que as que rodeiam o furo, índice do real. Ali se destaca o signo de amor, a presença por excelência, a peça essencial do amor cortês, o tesouro fálico que acende o desejo, efêmero, quando não alucinado. Não implica o sacrifício profundo do nada que se demanda na prova de amor, é delicado e sutil como um arco-íris, entretanto produz efeitos reais. Deste modo compartilha com o real algo de sua qualidade, a erotomania assim o demonstra.

O amor cortês tem seu próprio avesso, já que é para os homens o único modo de sair graciosamente da ausência da relação sexual. Uma maneira muito refinada de suprí-la fingindo que somos nós os que a obstaculizamos. (5) Ao seguir os rastros que os trovadores nos deixaram, encontramos algumas chaves nos textos que ficaram de seus ditos. O segredo é um deles. A magia será o outro. Para Rougemont, o objeto amoroso nunca é dado sem um certo intermediário, ao qual se chama senhal.

A vantagem destes modos de se expresar salta aos olhos. A magia persuade sem dar motivos, inclusive na medida em que não os dá. E a retórica cavalheiresca, como toda retórica, é a arte de fazer passar por “naturais” as proposições mais obscuras. Garantia do segredo e também da aprovação incondicional por parte do leitor do romance. A magia e a retórica cavalheiresca eram o material simbólico com o qual se contava no século XII para velar o que se devia revelar. O cavalheirismo é a regra social que as seleções do século sonham em opor às piores “loucuras” cuja ameaça sentem.

A magia descobre uma paixão cuja violência fascinadora não pode se aceitar sem escrúpulos, dado que as palavras que se usam, os encantamentos e rituais, os feitiços, poções e misturas tentam conquistar um real que possa com a natureza, a subjetividade e o gozo autoerótico de quem se espera o amor.  A psicanálise se assenta no significante como causa material enquanto a produção do mesmo provém do analisante, não sem a participação necessária da transferência. Esse significante que não significa nada, move mundos. A psicanálise se preocupa com os acidentes de significante que causam efeitos de sentido e tecem, ao redor do que nos passa, uma estrutura de ficção verídica, ou seja, de verdade mentirosa.

Por que o segredo? O segredo é um saber que não se expõe, é um saber sob um véu. Há algo secreto da sexualidade para cada um e a não-relação-sexual é secreta tanto para os que a realizam como para os que não. Lacan o referirá a sua própria clínica: “…E um dos fins do silêncio que constituti a regra de mina escuta é precisamente calar o amor. Não trairei pois, seus segredos triviais e sem par”.  (8)

Deixemos assim que o amor cortês mantenha seu hermetismo durante outros dez séculos, para provocar um desejo de lhe arrancar algum dito à nossa condição de analisantes, enquanto assegura a validação do não sabido como interrogação necessária no que nossa prática tem de aleatória.


Referências:
  1. de Rougemont, Denis – Amor y Occidente – Editorial Leyenda – Mexico, 1945
  2. Lacan, J – El Seminario Libro 7 – La ética del psicoanálisis – Paidós -1988 pág. 168
  3. Miller, J.-A. – El partenaire-síntoma – Paidós – 2008 págs. 223/228
  4. Miller, J.-A.- Donc La lógica de la cura- Paidós – 2011 – pág. 236
  5. Lacan, J – El Seminario Libro 20  Aún – Paidós 1981 -pág. 85
  6. Laurent, E – De lo real en un psicoanálisis , internet Revista consecuencias Nº 11
  7. Miller, J-A. El ser y el Uno – Clase 6 –
  8. Lacan, J – 1° Conferencia sobre la ética del psicoanálisis en Bruselas (9/3/1960)- inédito

Tradução: Daniela Nunes Araujo
Revisão: Iordan Gurgel
Estabelecimento: Margarida Assad
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