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Da função resíduo às modalidades familiares de laço

PASTORIL – Núcleo de Pesquisa em Psicanálise com Crianças e Adolescentes – Pernambuco
Rosa Feitosa e Maria Eliane Neves Baptista

As mudanças observadas na atualidade, à irrupção dos direitos e a presença ativa das mulheres deram origem à uma história, que desconstruiu as informações anteriormente aprendidas sobre a família na vigência do patriarcado que durante séculos influenciou também, o estabelecimento dos vínculos amorosos. O poder dos pais sobre os filhos reproduzia o modelo da relação com as mulheres e definia o lugar que lhes era designado no mundo.

A partir da descoberta do inconsciente por Freud, a estrutura patriarcal não aparece mais como regida exclusivamente pela autoridade, mas pela efetividade do desejo.

  1. A função resíduo

No texto Os complexos familiares, Lacan retoma as formulações freudianas e define o papel da família introduzindo a função do pai como passível de sofrer modificações decorrentes da cultura e do declínio de sua potência simbólica. Ele outorga à família conjugal a “função de resíduo” e destaca o irredutível de uma transmissão que se diferencia da satisfação das necessidades.

“A função de resíduo exercida (e ao mesmo tempo, mantida) pela família conjugal na evolução das sociedades destaca a irredutibilidade de uma transmissão – que é de outra ordem que não a vida segundo as satisfações da necessidade, mas é de uma constituição subjetiva, implicando a relação com um desejo que não seja anônimo”. (LACAN, 2003).

É de acordo com esse pensamento que Lacan insere a clínica das filiações na função de resíduo que prepara o lugar do sintoma, a verdadeira resposta do sujeito à relação sexual que não existe.

É a partir do que se apresenta como sintomático na estrutura familiar, surgindo como falta, que o sujeito pode construir sua própria resposta. É nesse sentido que o romance familiar não é suficiente como tratamento do que aponta para o que se apresenta como sinal do real.

Além disso, respeitando a tradição, a função de resíduo traz, em si mesma, a liberdade de escolha do sujeito que pode ir em direção ao progresso ou à dificuldade sem, no entanto, desconsiderar a posição subjetiva em relação ao gozo.

  1. Modalidades familiares de laço

Lacan ao reconfigurar o discurso analítico para tratar sobre as novas dimensões da família faz a distinção entre o pai da realidade, ou seja, o pai normal e o pai simbólico enquanto função – o Nome do Pai.

A tensão que existe entre a família como real e o pai como algo simbólico na teoria lacaniana ressoa em todas as novas formas de articulação entre as famílias, inclusive em relação à filiação.

A esse respeito chama atenção, já há algum tempo, a proliferação das famílias monoparentais nas quais a mãe vive sozinha com os filhos e as funções estão instaladas, via desejo materno.

O surgimento do matriarcado, os avanços tecnológicos, referentes à procriação, têm caminhado na direção de dispensar a participação do homem-pai, embora o pai permaneça como fundamental, na estruturação subjetiva do filho.

Podemos concluir que as famílias monoparentais, como as outras modalidades de família, podem condensar o ato e a transmissão, localizando-os diretamente sobre as consequências, para o falasser, da pergunta sobre sua origem e sua existência.

Em nossa atualidade, há o entrecruzamento dessa questão com o discurso da ciência abrindo novas vias de realização, construindo novos arranjos na tentativa de dar conta do que do real permanece fazendo furo.

Em relação às novas modalidades de família resta-nos a questão de como operar, na clínica da filiação, com a função resíduo.


Referências
FREUD, Sigmund. Obras completas de Sigmund Freud. 4 ed. Madri: Biblioteca Nueva, 1981. 2 v.
LACAN J., – “Nota sobre a criança”, Outros Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003, p.373.
LACAN J., – Os complexos familiares na formação do indivíduo. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003.
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