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Noite de Lançamento da I Jornada da Seção Nordeste – Ressonâncias

Paulo  Carvalho

Recolho e registro alguns pontos que ressoaram na ocasião do Lançamento da 1º Jornada da Seção Nordeste “O Enigma da sexuação – O que nos ensina a experiência psicanalítica sobre Isso”.  Dirijo este comentário especialmente ao segundo eixo, cujo argumento foi apresentado pelos colegas Cleyton Andrade e Liège Uchôa. Parto da hipótese de que o texto “Dócil ao trans[1]”, de Jacques-Alain Miller, marca um antes e um depois no Campo Freudiano. Momento de conclusão que interpreto em duas vertentes – abertura e fechamento.

1) A vertente abertura convoca à mais radical e sutil escuta do sujeito da época, fazendo uso dos elementos que caracterizam a docilidade do desejo do analista.

2) Já a vertente fechamento se dirige aos discursos wokes[2] que, segundo Miller, levariam ainda mais adiante a segregação, agudizando o mal-estar dos sujeitos trans.

No tempo lógico anterior, acompanhávamos os estudos de gênero em sua crítica à identidade, nos detendo naquilo que não pode ser desconstruído, o sexo enquanto Um[3]. Ainda neste tempo anterior, endossava-se a luta por mais direitos e a proximidade do gozo Queer com a identidade sintomal do final de análise.

Como trazido por Cleyton Andrade, o tema da sexuação intersecciona necessariamente a perversão polimorfa.  Contudo, questiono o quão distante podemos ir nesse ponto que parece ser central para os estudos de gênero. Seria correto afirmar que no horizonte destas utopias contemporâneas está a>I  – mesmo matema característico do tempo em que o Outro não existe? Entendo que isto diferiria do horizonte de uma análise, onde cada um é convidado a se confrontar com a maior distância possível entre I e a. Seria correto concluir que a generalização da perversão polimorfa seria uma das ideias lacanianas que se “tornaram loucas na cultura”, como observa Miller na conferência de apresentação do livro Polémica política, transmitida pela ELP no dia 2 de maio de 2021?

A conjunção ciência-capitalismo, marca desta época nãotodista[4], teria repercussão também sobre o direito (ver texto “Edad de la razón, ¿edad de inclusión?[5]”, de Éric Laurent). A lógica que operaria hoje tenderia a saltar o tempo de compreender, incidindo da seguinte forma: “se a ciência permite, logo eu tenho direito”. Como consequência, observa Laurent, os corpos dos jovens e das crianças se encontrariam cada vez mais expostos às utopias da época.

Para concluir, lanço ao argumento de Cleyton Andrade e Liège Uchôa, uma pergunta sobre o tentador empuxo à despatologização a consequente perda de marcadores importantes para a arte da clínica. Como podemos situar a psicopatologia lacaniana, com suas sutilezas e atenção aos sinais discretos, nesse novo tempo?


Pauleska Nóbrega

O que se assentaria sob o enigma da sexuação? O que orbitaria a partir desse enigma em nossa época? O encontro do dia 15 de junho para o lançamento da I Jornada da Seção Nordeste: “O enigma da sexuação: o que nos ensina a experiência analítica sobre Isso”, me permitiu indagar se a experiência analítica subverteria as arbitrariedades de uma época, não por fazer girar o discurso sob a perspectiva de um centro, mas para dar acento ao que, do discurso, faz girar e, por isso, cair, como nos lembra Lacan no Seminário 20[6]. A experiência analítica pode ensinar sobre a mutação do gozo no campo da sexuação frente ao impossível da relação-sexual, da qual o acontecimento de corpo não só é causa, mas também efeito. No argumento central apresentado, o corpo aparece enquanto substância gozante que faz seu império em detrimento do organismo, do gênero, da identidade e, por isso mesmo, coloca o feminino como paradigma do mais-além da multiplicação das barreiras. O que não implica que seja sem direção, pois o real se manifesta na contingência.

A partir da exposição de cada eixo temático, pude extrair enigmas particulares, os quais compartilho brevemente, com o entusiasmo que esta Jornada nos convida a trabalhar:

Eixo 1 – A mulher que não existe: uma escrita do Um:

Há “Um” gozo que não se articula ao significante de (A/) barrado e, se de um lado, ele aponta para uma ruptura com o saber, já que A mulher não existe, de outro, ele aponta para a via da ex-sistência. “Como uma mulher pode gozar do falo na posição feminina […]?”;

Eixo 2 – O saber in-sabido do sexo:

A singularidade do gozo não está em conformidade com o plano das identificações, revelando uma desnormativização entre corpo e gozo. “Qual a natureza da dimensão insondável dos sexos […]?”. O ser falante nos dá pistas do mais segregativo do gozo de cada um, mas também da palavra que toca o corpo, o enoda e o enlaça em suas parcerias[7].

Eixo 3 – A não-relação sexual: o real, a existência e o amor:

A relação sexual só se realiza na fantasia, nesse sentido, a relação com o objeto a, causa de desejo, pode ensinar sobre um novo amor quando liberada das amarras dos ideais. “[…] Como o amor faz o gozo condescender ao desejo?”.

[1] Miller, J-A. “Dócil ao trans. Tradução de Teresinha N. M. Prado. Lacan Quotidien– 2021 Année Trans,  n° 928, p. 3-18. Paris, 25 de abril de 2021. Disponível em http://uqbarwapol.com/wp-content/uploads/2021/04/JAM-DOCILE-AU-TRANS-PT.pdf. Acesso: 19 de junho de 2021.
[2] Ibid, p. 9.
[3] Lacan, J., “O umbigo do sonho é um furo – Resposta a uma pregunta de Marcel Ritter”, 14
Opção lacaniana n. 82, abril 2020, São Paulo, Eolia.
[4] Vieira, M. A. A (hiper)modernidade lacaniana. Latusa. Rio de Janeiro, n. 9, p. 69-82, 2004. Disponível em: http://www.litura.com.br/artigo_repositorio/a_hipermodernidade_lacaniana_pdf_1.pdf. Acesso: 19 de junho de 2021.
[5] Laurent, E. Edad de la razón, ¿edad de inclusión?. Acción Lacaniana. 3 de junho de 2021. Disponível em: https://elp.org.es/edad-de-la-razon-edad-de-inclusion. Acesso: 19 de junho de 2021.
[6] Lacan, J., O seminário, livro 20: mais, ainda (1972-1973), 2. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985, p. 48.
[7] La Sagna, Philippe., À propôs de la transidentité.  In: Lacan Web Television. À propôs de la transidentité. Mai, 2021. Vídeo (13min28). Disponível em: À propos de la transidentité // Philippe La Sagna – YouTube
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