Obrigada a Sampa pela oportunidade de dizer umas breves palavras deste assunto que está suscitando tantas, e por tantos lugares por onde a EBP ronda.
Estamos atrás dos invariantes e das variações da adolescência, assunto que goza de péssima imprensa desde que fora inventado. Finais do século XVIII, início do XIX, inventa-se junto às outras idades da vida: a infância e a velhice. Antes da Declaração dos direitos do homem e do cidadão o espírito classificatório se servia de outros recursos para distinguir: títulos de nobreza, hierarquias sanguíneas, militares, eclesiásticas.
Rousseau com seu Emilio e Buffon com sua História natural do homem, são protagonistas da concepção da adolescência como perigo, um duplo perigo: para o próprio púber e para a sociedade toda. Idade crítica. Idade do desejo. Na maravilhosa L’Âne de 1985, n.22, dedicada à puberdade e editada por Judith Miller, podemos ler como entre 1780 e 1840 centos de páginas se escreveram sobre a adolescência como fermentação surda que adverte a aproximação do perigo, como o rugido do mar se antecipa à tempestade. O sintoma e os tratamentos possíveis. Narcisistas em busca de uma identidade sexual e moral não muito longe dos espelhos. Não sacrificam seu prazer a nada. O jovem acha ser o Único disse Max Stirner, corolário da ideia de Rousseau de que em algum sentido nascemos duas vezes: uma para existir, para a espécie e a outra para viver, para o sexo. Por outro lado, em relação à sociedade, a desintegram. Durkheim e seus suicídios. Vagabundos natos. O apetite sexual os inclina a violência e ao crime. Somos herdeiros dessa demonização(2).
Quando Lacan era adolescente não se tatuava. Desenhou a ética de Spinoza na parede do seu quarto. Soube ler aí as diferenças entre a Vontade (Voluntas), o Apetite (Appetitus) e o desejo (Cupiditas). Como podemos observar já nessa época falava com as paredes, já pichava. O desejo é a consciência do apetite. No Brasil já fizemos um encontro onde chamamos o desejo de diabo.
O que querer? Che vuoi? Em 22 de março de 1961, Seminário 8, Lacan comenta mais uma vez “O diabo enamorado”.
Que outra evidencia real golpeia o corpo na flor da idade que a consciência perturbadora do apetite? Além de uma selva de pelos e sustâncias que humedecem o corpo púbere, estranhando seu precário proprietário, ele habita a floresta fantasmática de sonhos diurnos transparentes como disse Freud:
“Os sonhos diurnos aparecem na pré-puberdade, com frequência já no final da infância, e se estendem até idade madura, quando são ou abandonados ou mantidos até idade bastante avançada. O conteúdo dessas fantasias é comandado por uma motivação bem transparente: são cenas e acontecimentos em que encontram satisfação as necessidades egoístas, de ambição, de poder, ou os desejos eróticos das pessoas” (FREUD, 1916/2014, p. 132).
Como aprendi com o poeta Chico Buarque de Hollanda uma fresta é o dispositivo cênico que desperta essa consciência iniludível, uma fresta por onde desperta a primavera da flor da idade, mas também por onde entra o ciclone, a catástrofe como disse Serge Cottet(3). A fantasia não consegue domesticar o pulsional completamente. Isso transborda. Os sofrimentos da neurose e da psicose são para nós a nossa escola. O que faz enigma é o fracasso, do amor, da sublimação, do encontro com o primeiro corpo do outro, etc. Os adolescentes que sublimam e contribuem com a civilização não nos inquietam, nos deleitam como disse Freud.
Na minha parede adolescente não estava Spinoza senão Allan Delon, que me olhava e fumava. Como boa rosarina(4) também habitava meu muro Che Guevara, fumando um havano e a Fonda, Jane Fonda, absolutamente pelada, cruzando braços e pernas à maneira de véu. Ela, com todos podem imaginar, nunca fumou. Seria injusto injuriar minha adolescência de banal, por isso também conto que escrevi o poema de Bertold Brecht:
“Quando os nazistas vieram procurar os comunistas não protestei porque não era comunista; quando vieram procurar os judeus não protestei porque não era judeu; quando vieram me buscar já não havia mais ninguém para protestar”.
Pouco depois, na saída do túnel, soube que o autor do meu amuro não era Brecht senão um pastor luterano anti-nazista, Niemöller, e as palavras eram um sermão. Delon se transformou em um politicólogo que mete vergonha e Che Guevara foi prontamente assassinado. A Fonda como todos sabem, não morreu de overdose, vive malhando.
“Quando se contradiz o Ideal, quando ele desmorona é o que se constata: o poder do desejo desaparece em Hamlet”(5), disse Lacan no Seminário 10 sobre o príncipe de adolescência prolongada. To be or not to be.
Por uma contingência da roda da fortuna pode-se nos apresentar a ocasião de animar a palavra de um sujeito adolescente, precoce ou prolongado, e lhe oferecer a orientação de uma ética das consequências de seus atos.
Marcela Antelo (Membro da EBP/AMP)