Entrevista: Adolescência e escrita*

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Isabel do Rego B. Duarte: Podemos dizer que a marca de sua diretoria da EBP tem sido o resgate – em ato – do termo “Ação Lacaniana”, proposto por Miller há alguns anos. Nesse contexto, em que procuramos levar a sério o aforisma de Lacan “o inconsciente é a política”, e ainda com a inspiração do recente texto de Miller “Em direção à adolescência”, trazer a adolescência à tona como tema do Encontro Brasileiro tem uma incidência não apenas clínica, mas também, inseparavelmente, política. De que modo o tema da adolescência está em consonância com a proposta da Ação Lacaniana?

Ana Lucia Lutterbach Holck: Este tema é um tema político e, portanto, está estritamente relacionado com a “Ação Lacaniana”. Trazer a adolescência e colocar em primeiro plano os impasses atuais de um outro ponto de vista. Do ponto de vista daquele que acaba de chegar e não encontra mais adultos que possam dar uma direção. Nós, os adultos, estamos diante de impasses para os quais a tradição não tem resposta. Escutar os jovens e suas invenções é uma posição política. E a Ação Lacaniana se interessa por isso. Queremos saber sobre soluções encontradas, queremos partilhar de seus impasses e saídas e, ao mesmo tempo, contribuir para isso.

Isabel do Rego B. Duarte: Philippe Lacadée, em seu livro O despertar e o exílio, diz: “o recurso à carta e à escrita de um diário pode ajudar a fixar o gozo a mais. Para alguns, esse recurso na adolescência ocupa o lugar de uma resposta sintomática. Representa então a tentativa de circunscrever a relação com o mundo e com o gozo, vindo no lugar do furo no saber deixado pela relação sexual que não existe” (pág. 120). É comum lermos referências da relação entre a adolescência e a escrita, inclusive por meio de alguns autores célebres que escreveram nessa e sobre essa época da vida, como Rimbaud. Recentemente saiu em nosso Boletim do Encontro Brasileiro um comentário de Franciele Almeida sobre uma interessante oficina de escrita realizada numa escola do Rio de Janeiro, onde os adolescentes testemunham sobre o encontro com a escrita em suas vidas. Que função a escrita teria para os adolescentes? Como o analista pode lançar mão disso?

Ana Lucia Lutterbach Holck: A escrita pode ser uma via, uma saída para um adolescente, mas não é uma receita. Sobre essa oficina(1), que você mencionou, vimos um efeito impressionante nos jovens no seu encontro com a escrita e este testemunho é uma riqueza. Mas a escrita não pode ser um tratamento a ser prescrito, pode-se criar condições para que um jovem escreva, mas nem todos encontram aí uma saída, nem todo mundo encontra na escrita uma satisfação.

Isabel do Rego B. Duarte: Gustavo Stiglitz, em entrevista para a videografia do Encontro, fala sobre os jovens que se ligam ao islã, o desbussolamento e o despedaçamento do corpo. Miller, no texto citado acima, fala também do islã como uma saída para os jovens quando o Outro não sustenta mais as identificações. “Lá onde, para alguns, a passagem ao ato curto-circuita o processo de tradução, para outros o recurso à escrita tem lugar de suplência” (P. Lacadée, O despertar e o exílio, pág. 121) Em sua opinião, a escrita poderia ser uma alternativa a essas saídas radicais, visto que pode articular simbólico e real de formas inusitadas e singulares?

Ana Lucia Lutterbach Holck: Como disse na resposta anterior, assim como as drogas e a violência não é uma saída para todos, a escrita também não. Claro que a escrita é uma alternativa, mas não escreve quem quer. É preciso que cada um, de acordo com seu sintoma, encontre uma saída própria. Não existem soluções universais. E é preciso estar atento para isso, para as soluções, que nem sempre encontram uma aceitação irrestrita, como a arte. A arte é muito bem aceita desde que esteja dentro dos padrões “museu”. Quando se trata de pichar ou tatuar, por exemplo, não há uma unanimidade sobre o valor de tal arte.

Isabel do Rego B. Duarte: Qual o lugar ou possível função da escrita para os “hiperconectados”? Isto é, a atual relação dos jovens com as mídias digitais e com as imagens modificaria em algo o uso que se faz da escrita? Mais uma vez, como o analista se insere nesse contexto?

Ana Lucia Lutterbach Holck: Penso que explorar esse tipo de manifestação é fundamental, mas mais uma vez digo: explorar é diferente de ensinar ou insinuar. As mídias digitais podem ser um ponto de investigação muito interessante, desde que se possa acompanhar cada um na sua maneira de se meter e se virar com isso.

Ana Lucia Lutterbach (EBP/AMP) – Presidente do XXI Encontro Brasileiro do Campo Freudiano por Isabel do Rego B. Duarte (EBP/AP)

*N.E.: Entrevista publicada originalmente no site do XXI Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, 2016: “Adolescência, idade do desejo”.
(1)Ato Zero – Escolas Revisitadas, por Franciele Gisi – RJ – #followme 6, Boletim do Encontro Brasileiro do Campo Freudiano.