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Efeito Zadig sobre a EBP: S(Ⱥ)!
Lucíola Freitas de Macêdo |
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Caros colegas,
Compartilho, nesta edição de Correio Express, a convite de Luiz Fernando Carrijo da Cunha, extratos do texto solicitado aos presidentes das Escolas para discussão no âmbito das reuniões do Conselho da AMP, em janeiro de 2019, sobre o tema “Efeito Zadig sobre as Escolas”.
As questões e as elaborações tecidas naquele momento se atualizam, trazendo consigo antigas preocupações, e novas perguntas. Em recente pronunciamento sobre a presença da psicanálise no campo político, Éric Laurent aponta, quanto aos Fóruns Zadig, o horizonte do trabalho em torno dos temas e questões que visem os desarranjos do real, aqueles para os quais os discursos estabelecidos e os saberes constituídos não encontram respostas.
Como favorecer o esvaziamento, ao invés de dar consistência, avolumando e alimentando a permanente marola formada em torno das cotidianas declarações bombásticas, quando não obtusas, propagadas pelas redes sociais – estratégia beligerante e sensacionalista vigente desde o período pré-eleitoral – que fazendo espuma, tomam o centro da cena política, desviando o foco das questões cruciais, aquelas que verdadeiramente importam, quanto ao destino de nosso país?
Como não produzirmos, com nossa voz e nossa ação, nada senão a dispersão, a fragmentação, e a "cacofonia", consequências sabidas sempre que adesão cega aos significantes mestres que coletivizam tomam a dianteira, não oferecendo nenhuma direção, a não ser a segregação generalizada e o desarrimo das "democracias sem pai"1, mas saturadas de tiranos?
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Efeito Zadig sobre a EBP: S(Ⱥ)!
Por ocasião da última assembleia da AMP, realizada em abril de 2018, momento em que os presidentes das Escolas se manifestaram a propósito de “Campo Freudiano Ano Zero”, sublinhei o fato de que as democracias de massas de hoje já não parecem se constituir na contramão dos regimes autoritários, mostrando-se inclusive coalescentes às diferentes formas de autoritarismo. A onda ultraconservadora avança no vácuo de uma crise generalizada das instituições. Os apelos à norma, à burocracia, à tecnocracia, à cifra, assim como derivas autoritárias no quadro de regimes democráticos, respondem a uma mesma lógica.
Com a realização de dois Fóruns ao longo de 2017, ambos sobre temas políticos candentes no Brasil – o primeiro sobre a corrupção, e o segundo sobre o racismo – a Movida Zadig-Brasil “Doces&Bárbaros” promoveu, através de suas ações, o exercício de leitura e de interpretação a que o momento nos convocava, por meio da mobilização e do diálogo com a opinião pública. Tal exercício produziu efeitos sobre a EBP, o que foi possível notar por ocasião das últimas eleições presidenciais.
Naquele contexto, em uma memorável reunião do Conselho da EBP – para a qual o diretor geral foi convidado – ocorrida logo após o primeiro turno das eleições presidenciais, houve uma calorosa discussão sobre a posição da EBP em face ao momento político. Estávamos longe de um consenso no âmbito do próprio Conselho, até que após a leitura feita pelo diretor, em voz alta, da convocatória para a Conversação “Psicanálise e Democracia”, que seria enviada pela Movida Zadig-Brasil para a comunidade analítica dentro de alguns dias, uma conclusão se impôs, como um valor de verdade: cabe a Zadig conduzir e ampliar o debate naquilo que concerne às tensões emergentes no campo da política; as instâncias não irão ceder às pressões por um posicionamento institucional político-partidário; a decisão pela publicação de uma carta aberta, e caso se decida por esta via, a direção e o tom desta carta, serão extraídos da conversação “Psicanálise e Democracia”.
Tal convocatória teve sobre a Escola o efeito de um ato, a desafiar a forte tendência à dispersão e à fragmentação a que o momento incitava, o que permitiu que a polarização político partidária não se instalasse de uma vez por todas, com seus efeitos nefastos, no interior da EBP.
A escolha da conversação como dispositivo não foi casual: cada qual foi convidado a tomar a palavra não a partir de suas identificações partidárias, mas desde a sua posição de sujeito dividido. O motor da fala não poderia ser o Um unificador do grupo, mas o que se urde da disjunção entre o ideal (I) e o objeto a. Na conversação, a ferocidade do gozo que se precipitava na exigência de que a Escola se posicionasse se fez escutar, ao invés de continuar lançando-se furtivamente no rojão da pulverizada e metonímica série proliferada pelos meios digitais.
Valendo-se da transferência de trabalho, e favorecendo a que as ressonâncias da fala de cada um incidissem sobre a própria reivindicação de posicionamento por parte da Escola, apostou-se na possibilidade de se reinstaurar o lugar vazio da causa analítica. No lugar do apelo às identificações, apostou-se, ainda, na constituição de uma direção institucional forjada a partir da transferência de trabalho, sobre a qual se fundamenta o próprio conceito de Escola, cujo motor é o desejo do analista.
Assim, podemos nos arriscar a dizer que, naquele momento, foi possível fazer existir a psicanálise no campo político, a partir do ponto nodal de torção entre Zadig e Escola, ao invés de levar a polarização política iminente e instaurada no país para dentro dela. Este breve relato permite elucidar de que modo a transferência de trabalho fez-se presente como conector do laço entre a Escola & Zadig: a transferência de trabalho, como “indução ao trabalho”, é uma transferência que se dirige ao não saber, em que se extrai de S(Ⱥ) a consequência do trabalho. Há transferência de trabalho quando um sujeito, sob o fundo de sua ignorância, se vale de S(Ⱥ) para um trabalho2.
Esta experiência relançou, no âmbito do Conselho da EBP, algumas questões:
1. O que significa o caráter apartidário de Zadig? Os partidos estão assentados no discurso do Mestre, se nutrem de diretrizes, programas, interesses e alianças. Zadig responde a outra lógica e a outro discurso, que agora mais do que nunca somos convocados a explicitar: o passe demonstra que no ponto nodal entre o individual e o social, o íntimo e o transindividual, entre o que ressoa da letra de gozo de cada um, em seu ponto mais vivo, e o político, enquanto vida em comum na polis, algo se transmite3. Quais efeitos podemos recolher desta transmissão, no campo político?
2. Ao evocar o poeta Isidore Ducasse, J.-A. Miller ressalta que é "a poesia quem descobre as leis que fazem viver a política teórica..."4. Não seria a poesia, por seu modo de operar com as palavras, um dos vetores de S (Ⱥ), quando se trata de fazer a psicanálise existir no campo político?
3. O que significa "escolher", tendo como causa o discurso analítico? Há uma passagem do seminário de J.-A. Miller “O ponto de basta” bastante esclarecedora sobre este ponto: as escolhas não devem ser pensadas unicamente no nível das idealidades, elas estão enraizadas no gozo do corpo, no sinthoma5. Quando o engajamento tem como causa o discurso analítico, este não se dá no nível das causas que coletivizam, mas advém das escolhas enquanto enraizadas no gozo do corpo, a partir daquilo que a experiência analítica permite localizar, condensar e reduzir deste gozo, na contramão das identificações coletivas e do gozo ignorado que as sustenta.
4. Lacan abre a “Proposição” com a seguinte assertiva: “Vamos tratar de estruturas asseguradas na psicanálise e de garantir sua efetivação no psicanalista”6, evidenciando uma torção entre o psicanalista e a Escola. O psicanalista, nesta perspectiva é a Escola, sempre e quando as estruturas asseguradas na psicanálise se efetivem no psicanalista. Com Campo Freudiano Ano Zero, tal assertiva poderia ganhar um novo alcance? As estruturas asseguradas na psicanálise e sua efetivação no psicanalista, seriam as condições necessárias ao passo que ora nos concerne, o de fazer existir a psicanálise no campo político?
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1 BROUSSE, M.-H. “Democracias sem pai”. Lacan Quotidien, n.759, jan.2018.
2 MILLER, J-A. El banquete de los analistas. Buenos Aires: Paidós, 2000, p. 177.
3 SANTIAGO, J. A discórdia das identificações. Apresentado nas XXVIII Jornadas Anuales de la EOL, 20 e 30 de setembro de 2018.
4 MILLER, J-A. Chronique de l’année zero. Lacan Quotidien, n.721, 15.06.2017.
5 MILLER, J-A. Ponto de basta. Opção lacaniana, n.79, jul 2018, p.27.
6 LACAN, J. Proposição de 9 de outubro sobre o psicanalista da Escola. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 248.
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