1) “Ao mesmo tempo, a característica principal dessa ‘organização genital infantil’ é sua diferença da organização genital final do adulto. Ela consiste no fato de, para ambos os sexos, estar em consideração apenas um órgão genital, ou seja, o masculino. O que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo.” (p. 180)
2) “Parece-me, porém, que o significado do complexo de castração só pode ser corretamente apreciado se sua origem na fase da primazia fálica for também levada em consideração.” (p. 182)
Freud, S. ______. (1923) A organização genital infantil. v. XIX, pp.175-184.
Comentário textos freudianos
Considerando o título do XXII Encontro e, dando destaque à segunda parte do mesmo, “Consequências para a psicanálise”, a questão da queda do falocentrismo me remete aos efeitos do discurso de gênero nesta contemporaneidade e à construção de uma posição da psicanálise da Orientação Lacaniana, diferenciada do binário natureza x cultura. Não são poucos os colegas psicanalistas aos quais o debate com os estudiosos do gênero põe ao trabalho. E digo isto resgatando a ruptura com o determinismo biológico que implicaram os gender studies, acima de tudo com relação ao lugar da mulher na cultura. Porém, um setor destes estudiosos insiste em atribuir à psicanálise a função de guardiã do falo e, como se não bastasse, também da tradição dos lugares sociais de homem e de mulher, ignorando, por exemplo, os detalhes considerados neste primeiro recorte do texto freudiano: para os dois sexos uma única significação, a fálica, que não devemos confundir com o pênis, e que nomeia um gozo parcial, contabilizável e localizável. Com Lacan podemos dizer que para qualquer outro gozo, também o feminino, corresponde o vazio de símbolo e de significação, S(A barrado) quer dizer, gozo possível de ser experimentado por alguns seres falantes, mulheres e homens, mas impossível de se sustentar pelo ilimitado e deslocalizado, ao tempo que este vazio pede a invenção de uma solução que só poderá ser a singular de cada um, isto é, prescindindo do nós, da primeira pessoa do plural, que forma conjunto.
Não foi esta a forma com a qual Lacan nos introduziu na queda do falocentrismo? Não foi com as fórmulas da sexuação que Lacan, ao introduzir um novo binário que sintetizamos dizendo gozo fálico/gozo não-todo fálico ou gozo além do gozo fálico, questionou o lugar central da ordem fálica? As consequências subversivas desse ensino, para a psicanálise, não foram poucas e ainda hoje as estamos elaborando. O Congresso da AMP sobre “A psicose ordinária e as outras sob transferência”, de abril, em Barcelona, dá prova disso.
Com relação ao segundo recorte do texto freudiano, acho importante destacar que o complexo de castração se funda numa diferença: a anatômica entre os sexos. E aí se coloca a grande questão do debate com o discurso contemporâneo do gênero: a questão de suportar a diferença, mas não somente a diferença imaginária.
Para cada ser falante, o momento no qual se descobre que existem homens e que existem mulheres, define um trauma a partir do confronto com o irredutível de uma diferença. Freud já situara isto que continua acontecendo ainda nestes tempos de correção política. O problema que se coloca, então, é o de suportar que existe Outro que tem uma relação diferente com a castração, que tem uma posição diferente no desejo, que ama de modo diferente e que goza de maneira diferente. O real de uma dissimetria impossível de se corrigir que seria conveniente ser levado em consideração para algo novo surgir no campo das justas reivindicações pela simetria jurídica entre os diferentes.
Oscar Reymundo