Cristiano Alves Pimenta[1]
Meu nome é Cristiano Alves Pimenta, sou membro da EBP – Seção Leste-Oeste e gostaria de agradecer ao convite do Conselho da EBP para falar sobre “o silêncio e o sintoma”.
Gostaria de articular, inicialmente, certa modalidade do silêncio sob a forma do “calar”. Miller se refere, em seu curso Todo el mundo es loco, ao pequeno texto que Lacan escreveu a seu convite para a universidade sobre o ensino da psicanálise.[2] Lacan inicia dizendo que “há quatro discursos, cada um se crê a verdade”[3]. Gostaria de partir da análise de Miller para dela extrair algumas conclusões. Dizer que cada discurso se crê a verdade implica afirmar que um discurso é sempre uma forma de dominação na medida em que cada discurso organiza um mundo, impondo o seu próprio critério do verdadeiro. Vale dizer que, se há dominação, haverá necessariamente a mordaça, a imposição de um “calar”. Ou seja, na medida em que um discurso prevalece, os demais se calam, são silenciados. Quando a histérica assume o poder por meio do S barrado ($), vindo a ocupar o lugar de agente, o Mestre é subjugado e se coloca ao trabalho. E vice-versa: lá onde o Mestre reina no lugar de agente, é a histérica que é amordaçada.
Mas o discurso do analista faz exceção aí porque, diz Lacan, esse discurso “exclui a dominação”[4]. Quando o objeto a está no lugar do agente, o que decorre daí não é a organização de um mundo, mas, ao contrário, é um mundo que se desfaz, uma vez que este mundo é abalado pelas desidentificações que são produzidas. Sob essa perspectiva da dominação dos discursos, podemos dizer que o discurso analítico é um “dar voz”, é um fazer falar ao que não pode ser dito em nenhum mundo. Dito em outros termos, os três discursos – o do Mestre, o da Histérica e o da Universidade – são formas de defesa contra o discurso analítico. São modos de fazê-lo calar. Isso está em consonância com a tese que Freud apresenta em seu ensaio O mal-estar na cultura,[5] a qual poderia ser resumida na frase: A cultura só pode ser erigida às custas de um certo apagamento, ou silenciar, das pulsões.
Pois bem, a Escola, na medida em que zela pelas condições, permite a existência do discurso analítico no mundo, e na medida em que é atravessada por todos os quatro discursos, deve aí saber fazer de modo que aquele seu membro que se encontrar movido pela causa psicanalítica não veja sua voz ser apagada.
Esse percurso que me permitiu abordar o “calar” por meio dos discursos permitirá também que eu conclua apontando a problemática radical imposta pelo sinthoma, entendido não como uma metáfora a ser decifrada, mas como “um gozo que exclui o sentido”[6]. O sinthoma diz respeito a um silêncio que, por assim dizer, não pode ter voz nem mesmo no discurso analítico, ainda que este seja o meio que o sujeito abonado pelo inconsciente dispõe para chegar até ele. A dificuldade a ser enfrentada é que o sinthoma não é uma extimidade ao discurso analítico, mas sim uma exterioridade. Miller afirma em seu curso Piezas sueltas que “a perspectiva do sinthoma” requer a necessidade de “sairmos da ‘caixa’ do discurso analítico”[7]. A referência lacaniana ao sinthoma – da obra Finnegans Wake, de James Joyce, enraizada no sinthoma, produto de um saber fazer com o acontecimento de corpo mais singular e mais incomparável – é algo que não tem lugar em nenhum mundo possível. Na literatura, ele é uma peça solta, “um resíduo da literatura, ficou fora”[8]. Aliás, lugar, não nos esqueçamos, é um termo que se sustenta sempre por meio de um discurso. Miller diz que só estamos frente a um sinthoma quando, tomando o “exemplo” de Joyce, temos um falasser que não retrocedeu em relação ao exílio extremo que o sinthoma impõe, ou seja, quando se é fiel ao que é mais impronunciável em seu gozo.[9]
Isso significa, me parece, que na Escola o melhor seria que as vias da dominação que os laços sociais (os discursos) impõem fossem combatidas pelas vias das bricolagens, preservando de cada falasser sua singularidade. Essa seria, ao meu ver, uma boa referência para a Escola de Lacan.