Cartel: o Uno e o Múltiplo

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Cleudes Maria Slongo

No ato de fundação de sua Escola, em 1964, Lacan lança uma proposta revolucionária de trabalho que subverte a tendência universal dos grupos humanos, que se estruturam em torno de um líder, a quem seus membros se identificam e a ele delegam uma posição de mestria.

O Cartel não se sustenta na crença de um Outro que sabe, da lógica do todo, do ideal. Trata-se de um dispositivo que “conjuga o laço social que permite a produção, com a palavra contingente de cada um, com o traço próprio, com seu sintoma, com seu nome”1. Assim sendo, ele se opõe radicalmente à burocracia dos grupos analíticos cuja visada é o acúmulo de conhecimento científico.

Estruturado a partir da fórmula “X+1”, o Cartel se configura a partir da lógica do nó borromeano. O +1, em posição de extimidade, indica uma operação de anodamento dos outros elementos, por meio da transferência de trabalho, estando a seu cargo dar-lhe curso.

O +1 representa um lugar vazio, por isto mesmo é uma função intercambiável, podendo ser ocupada por “qualquer um” dos membros.

O Cartel está incluído no conceito mesmo de Escola. É o plano político de Lacan para a sustentação do trabalho em uma Escola de analistas. Não há Escola sem Cartel. “Como instrumento de trabalho, ele  serve à formação, à investigação, e como espaço não burocrático, que aloja os encontros e descobertas de cada um”2 a partir de uma experiência de trabalho em conjunto.

Tal como o dispositivo do Passe, o Cartel faz a especificidade da Escola na medida em que permite que surja um saber novo, saber do real, do impossível da relação sexual, para ser ensinado. Seu princípio de funcionamento se constitui ao redor de um vazio de saber que funciona como causa. Ao longo de todo o seu percurso, ele está atravessado por uma posta em ato de uma política de enunciação onde entra em jogo a dimensão subjetiva. “Trata-se de um laço que não se homogeniza e se distingue do fenômeno grupal, que se sustenta no Nome do Pai, para poder fazer algo diferente: um trabalho de Escola”2. Nesse processo, o +1 deve assegurar a diferença em relação ao grupo a partir de sua função de agente provocador possibilitando que o trabalho aconteça e se desloque.

Subjetivar a Escola, segundo a lógica do Cartel, é estar disposto a consentir com “um estado inédito que vai do sentido comum do laço ao Outro da Psicologia dos Grupos, a um sentido que não é comum”3. Desse modo, cada um, remetido à sua solidão irredutível, se faz responsável por sua posição, porém, não sem os outros.


Referências Bibliográficas
1 – KUPERWAJS, Irene. El cartel, uma política del lazo puesta em acto. El Caldero de la Escuela, nº 18, p. 39, 2012)
2 – KUPERWAJS, Irene. Texto de apertura de las XXI Jornadas de Carteles de la EOL Córdoba, realizadas el 15 de septiembre de 2012. El Caldero de la Escuela, nº 19, p. 38.)
3 – MILLER, Jacques-Alain. Teoria de Turim: sobre o sujeito da Escola. Opção Lacaniana Online nova série. Ano 7. Número 21. Novembro de 2006. ISSN 2177