Situações Encontradas/ Ricardo Becker
Fátima Pinheiro
A imagem escolhida para o cartaz das Jornadas de Cartéis 2025 é da autoria do artista Ricardo Becker e se intitula “Situações Encontradas”. Conversamos com autor sobre o seu processo de trabalho que discute ao longo de sua trajetória importantes questões, entre elas: lidar com o improvável, e com a contingência em sua obra. “Situações Encontradas” antecipa todo o seu processo, ao ter início em 1975.
Assim Ricardo Becker introduz a origem de seu trabalho: Tudo começa em uma prova de colégio, quando eu escrevia com um lápis grande apontado nas duas extremidades, para não lidar com a contingência de quebrar uma das pontas. E continua: “Na verdade, isso acontece durante a prova, mas não comigo, mas com um colega meu. Ao vê-lo sem lápis, prontamente quebrei o lápis ao meio e dei a ele a outra metade para que terminasse a prova”. Contudo, em 1989, dentro de um avião, ao cruzar o Oceano Atlântico, entre a Europa e a América do Sul, em solitude absoluta, no ar, nasce a ideia do trabalho que intitulei Situações Encontradas, que remete a contingência do lápis, e um outro que chamei de Entre algum lugar nenhum. Situações encontradas, é um tríptico, ou seja, faz parte de uma série de três, e essa imagem escolhida para o cartaz é uma das partes desse tríptico, diz Ricardo. É curioso observar que esse trabalho pode apontar para encontros e desencontros, apontar para a união- separação, como também mostrar uma fusão ou desordem, acrescenta.
Não sem os furos? Pergunto a ele. Ricardo então responde: Sim, é quando eu coloco a “chave matemática”, é o que fecha e abre a equação, o que faz o trabalho continuar! Chaves que ao mesmo tempo que convocam a polissemia de significados metafóricos, como abrir ou fechar, são elementos essenciais para a eficiência de um sistema. Essas chaves matemáticas, por se apresentarem vazias, anteriores a qualquer sintaxe, livres de sua função de linguagem, ao ganhar corporeidade, ou seja, em aço, madeira ou vidro, inscreve-se no espaço, pontuando-o. E convocam o corpo, tanto pela escala das peças, em aço, quanto para desnorteá- lo sob os efeitos defletores do vidro[1]. Podemos concluir que o vazio e furos que as chaves engendram permitem que algo novo possa advir. Ricardo Becker, em seu processo, de um trabalho a outro, ao utilizar-se de um simples signo gráfico da natureza do parêntese, nos ensina como um processo pode levar um trabalho dar lugar a outro ou ainda, criar um entre algum lugar nenhum. Suas situações encontradas ao mesmo tempo que estão atravessadas pela contingência, nos lançando na dimensão do não- todo, não se rendem aos detalhes pela via da repetição. Nos convocam entre algum lugar nenhum à experiência do cartel, de ir ao encontro de algo além, incluindo a partir das situações encontradas, os furos, os impasses e os tropeços. Despertando, assim, o que Lacan chamou de saber alegre[2], aquele que se constrói e se inventa.