O objetivo deste trabalho é articular a feminização do mundo atual, consequência da queda do falocentrismo, com o sintoma fóbico e seus objetos. O norteamento do trabalho será a clínica com crianças, hoje.
Para tal, me utilizo do texto de Romildo do Rêgo Barros (1) publicado em Polifonias 2, na Disciplina do Comentário: “Limites da Drenagem do Sexual pelo Simbólico”. Ali ele destaca uma citação de 1960 de Lacan, (2) da qual privilegia, entre outros aspectos, o “excedente pulsional” na mulher e seus destinos. Esse ponto é de fundamental importância para o argumento deste texto que advoga a feminização do mundo como um dos destinos do excedente à regulação fálica.
Feminização aqui entendida tal como nos propõe Ondina Machado (3), ao lembrar que Lacan estabeleceu dois modos de gozos para os seres falantes se posicionarem diante das demandas da cultura: o masculino e sua objetividade restrita ao gozo fálico e não ao homem e seu oposto feminino, não restrito às mulheres e nem à orientação fálica, por isso ilimitado e, em parte, não demonstrável.
Há várias maneiras de esse ilimitado do gozo feminino comparecer no mundo atual. Aqui destaco os caprichos das mães contemporâneas que ora tudo fazem para ter um filho, objetos da ciência e suas manipulações, ora os educam como prolongamentos dos seus corpos para, assim sendo, atenderem seus imperativos, muitas vezes marcados pela voracidade materna. Crianças geradas pelo empuxo à satisfação caprichosa do Desejo Materno que ambiciona depor a lei fálica, impondo a lei de ferro do seu gozo.
Como as crianças respondem a isso? Todo aquele que clinica com criança ou que, independente da clínica, a toma como sujeito desejante, sabe que as crianças interpretam o furo do Outro, advindo daí a diversidade de seus sintomas. Aqui privilegiarei a fobia enquanto sintoma, e seus objetos, para interrogar se é lícito pensar que há mutações na natureza desses objetos.
A ancoragem desta escolha está na observação, advinda da clínica, que na atualidade os objetos fóbicos se assemelham mais a nomes ou cifras de gozo, que a formações do inconsciente, decifráveis por interpretações simbólicas, como outrora. Minha hipótese é que são respostas a estas mães, mais devoradoras do que nunca, uma vez que menos mediadas pela função fálica. Presenças maternas reais, plenas de gozo, geram objetos fóbicos com maior predomínio do Real sem lei e rebelde aos semblantes?
Neste ponto me deixei ensinar pelo que a clínica tem demonstrado e pelos ensinamentos retirados do texto de Serge Cottet, OFNI (Objetos fóbicos não identificados) (4) e constato que não só o imaginário infantil tem estado povoado por monstros e figuras horrendas, tais como a recém aparecida lenda da Momo, ser sobrenatural, “contato macabro do whatsapp”, mas os objetos fóbicos também seguem esta linha. As crianças inventam seus objetos com faces mortíferas, abjetas e próximas de uma decomposição assustadora. Trata-se de ossos, caveiras, seres em putrefação e objetos fóbicos degradantes que se distanciam das narrativas infantis clássicas e se aproximam do império das imagens marcadas pelo Real.
Segundo Cottet (5): “Hoje, todos os monstros horrorosos que constituem o arsenal dos videogames são introduzidos nas teorias sexuais infantis: animais pré-históricos, vampiros carnívoros, entidades sangrentas indescritíveis, evidência de uma avidez corporal que está longe do limite da função fálica”.
A meu ver esta passagem exemplifica bem o que estou aqui articulando, a queda do falocentrismo e suas consequências na clínica com crianças. Cabe lembrar que se há uma questão preliminar a todo tratamento possível com as crianças, essa é a sexualidade feminina. É de mães vorazes e de filhos objetalizados que estou tratando, tendo como produto final desta equação novos objetos fóbicos.
Dirijo o olhar para a criança que, apesar de ser definida como não sendo responsável pelo seu gozo, isto não quer dizer que não goze, que não tenha satisfação pulsional. Cito Cottet (6): “A criança esconde ficções que interpretam o enigma da ternura canibalística do adulto. Mas este canibalismo é o do próprio sujeito: sadismo imaginário, teria dito Melanie Klein, identificando no lobo o próprio sujeito e seu sadismo oral. Lacan retifica: é sobre o fundo de insatisfação simbólica que a satisfação oral do sujeito se concentra.” Assim sendo, na fobia de Hans, o cavalo que se balança designa o falo solto do corpo, sendo também o próprio sujeito, nos diz Lacan em Genebra (7), além da vertente materna da devoração e paterna da insuficiência.
Para não dizer que não falei da clínica, no momento de concluir, o faço com a ajuda de diversos casos de fobias sólidas, que cessam somente quando as crianças podem separar-se da angústia materna de perdê-los. Trata-se do reino da pulsão de morte que paralisa, mas não impede a satisfação gozosa, ou a presentificação do traço sádico, que encontramos em alguns fóbicos.
As crianças de hoje, através da eleição de objetos fóbicos afins ao Real, são sujeitos do ultimíssimo Lacan, no qual a verdade é substituída pela satisfação.