XV Congresso de Membros – Modalidades do silêncio. Entre o dizer e o calar – Silêncio, inibição e Escola

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Renata Martinez

Quando fui convidada pelo Conselho a colocar em palavras algo sobre essa tríade, me pus a pensar qual recorte me interessaria fazer e qual recorte poderia servir à Escola. Outro pensamento do qual me ocupei foi o formato. Como falar para um podcast na EBP? Hoje em dia, os podcasts estão na moda, mas ainda não em nossa comunidade.

Nós, analistas, estamos acostumados a escrever trabalhos e apresentá-los em eventos, sejam pequenos, como as noites das Seções ou as Jornadas, sejam um pouco maiores, como os Encontros e os Congressos. Mas, a partir desse convite, vamos arriscar por aqui também, já sabendo que vai ser difícil fugir do texto escrito.

“Modalidades do silêncio. Entre o dizer e o calar” é o título do nosso Congresso de Membros! Escolhi, então, deter-me sobre o calar, localizando aí sua vertente de inibição. Tomarei, assim, o silêncio pelo viés do calar: negativo ou falta de palavras faladas ou escritas e não o seu mais além.

Acompanhei o Blog do Passe que nos chegou pelos e-mails do Conselho, e, por algumas vezes, a convocação “fala EBP!” ao final dos editoriais me chamou a atenção. Algumas poucas respostas, a escanção temporal e uma troca epistolar não pareceram fazer corpo ao que seria uma Conversação ou à enunciação supostamente desejada e explícita no chamado. Este é apenas um exemplo. Certamente, poderia localizar outros silêncios na Escola, mas fiquemos com este, por ser um dos mais recentes.

Daí me perguntei: seria o silêncio na EBP, o silêncio de muitos de seus membros, eu incluída, sinal de uma inibição?

Quando pensamos em inibição, a primeira referência é sempre o texto de Freud, “Inibição, sintoma e angústia”. Ali, logo no primeiro capítulo, ele diz que “a inibição tem uma relação especial com a função e não significa necessariamente algo patológico”[1]. Seguindo com sua investigação, Freud faz uma lista e discorre sobre essas ditas funções do eu, que podem estar limitadas e, assim, consideradas inibidas. Vemos sempre algo em torno da interrupção de um movimento. Assim, vou compreender a supressão da fala, como a interrupção de uma função do eu, tomando, numa vertente freudiana, o silêncio como inibição.

Para tentar avançar e delimitar um ponto, vou me valer das elaborações de Lacan no Seminário 10, A angústia. Sabemos que não tem como falar de inibição sem falar de angústia, pois elas estão intrinsecamente ligadas. Sabemos também que toda a construção em torno da angústia se ancora no objeto a e suas distintas apresentações.

Porém, será privilegiando a dialética do desejo própria do obsessivo em torno do objeto anal que a pergunta sobre “o que é a inibição?” vai ser respondida. Nesse momento, inibição e desejo são colocados ocupando a mesma posição.

A construção de Lacan caminha no sentido de apontar para a intromissão ou, digamos, a prevalência do “desejo de reter”, próprio do obsessivo, como uma defesa contra a angústia, angústia essa decorrente da possível realização do movimento que a função desempenhava também como desejo. A interrupção da ação, ou seja, a inibição, é justamente uma defesa contra a angústia. Aqui, Lacan interpreta o desejo como defesa e diz “que aquilo de que ele se defende é outro desejo”[2]. Essa operação vai sinalizar “uma ocultação estrutural do desejo por trás da inibição”[3].

Em outras palavras, seria a introdução na própria função de um desejo diferente daquele que a função simplesmente satisfazia. Podemos pensar que ali onde estaria o gozo do exercício da função, goza-se da não utilização do órgão.

No caso tratado aqui, por exemplo, seria: interrompe-se a fala como geradora de angústia e goza-se do silêncio.

Minha questão giraria, então, em torno de como tocar esse gozo da renúncia valorizando o caráter cedível do objeto a como sua característica fundamental e necessária, como vemos destacada nessa citação de Lacan, no Seminário 10: “A função do objeto cedível como pedaço separável veicula, primitivamente, algo da identidade do corpo, antecedendo ao próprio corpo quanto à constituição do sujeito.”[4]

Fecho então com esta pergunta: como favorecer que a fala (ou mesmo o escrito), com a voz que a sustenta, possa ser dirigida à Escola como esses objetos cedíveis equivalentes aos objetos naturais, como marcas tão próprias do ser falante?

[1] FREUD, S. Inibição, sintoma e angústia. (1926) In: FREUD, S. Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos (1926-1929). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 14. (Obras completas, 17)
[2] LACAN, J. O seminário, livro 10: A angústia. (1962-1963) Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 346.
[3] Ibidem, p. 344.
[4] Ibidem, p. 341.