Mais Um, uma função que circula

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 Ana Tereza Groisman

 O Cartel surge com a Escola de Lacan e se articula a seu ensino desde o início. Lacan propôs a estrutura do Cartel como base de apoio e meio pelo qual executa-se o trabalho de Escola.  

O funcionamento do Cartel se aproxima da topologia dos nós, pois, formado o Cartel, cada um de seus cartelizantes é fundamental para que o laço de trabalho se sustente. Cada componente assume para sí a função de enlaçar o grupo ao trabalho de Escola. Nesse sentido, como conclui Lacan, o Mais Um pode ser qualquer Um, desde que seja alguém (Lacan,1980)[1].

Nestes 40 anos que nos separam da dissolução da EFP, muito se teorizou sobre o Mais-um como provocador provocado, uma posição Socrática que “carrega pontos de interrogação e abre buracos nas cabeças”, como bem disse Miller (1986)[2]. Mas, gostaria de me deter na função de enlace entre a Escola e a comunidade que a circunda como uma das facetas dessa função. Em tempos de isolamento social e da dispersão inerente à tal distanciamento, me parece fundamental a tarefa de enlaçar o trabalho de seus membros ao que faz Escola.

É função do Mais Um zelar para que os interesses singulares não se massifiquem ou se dissolvam no grupo. Ao mesmo tempo que deve enlaçar o trabalho singular ao coletivo e também possibilitar que o coletivo fure o individual: nem isolados, nem colados.

Cada um que se aproxima da Escola parte de uma pergunta, algo que se destaca de sua clínica, de sua análise ou de seu encontro com a teoria, e estaria em busca de parceiros para sustentar e elaborar algum saber sobre o que de início é pura indagação. Isso é fundamental na medida em que mantém a Escola viva e em consonância com as questões de sua época.

Na Escola somos convocados ao trabalho, sendo assim, ela também cumpre a função de Mais Um para seus membros. E, quando lhe endereçamos nossas questões, ocupamos a função de Mais Um junto ao grupo. O Mais Um interroga e enlaça cada um ao coletivo que faz Escola. Trata-se de um trabalho circular e permanente que se sustenta na tensão entre o coletivo e o individual.

Para concluir, proponho que o Mais Um tem função de promover o descolamento do que vem como demanda institucional, promovendo seu reviramento em desejo de saber enlaçado a uma causa singular.  Ao mesmo tempo impede que o grupo se feche em si mesmo, endereçando as questões singulares ao coletivo Escola que decola a partir daí.

 


[1] Lacan, J.: D’ecolage, 1980, disponível em: www.wapol.org.
[2] Miller, J.-A., “Cinco variações sobre o tema da elaboração provocada, 1986, disponível em: www.wapol.org.