“Por este fato, a aparente necessidade da função fálica se descobre ser apenas contingência. É enquanto modo do contingente que ela para de não se escrever. A contingência é aquilo no que se resume o que submete a relação sexual a ser, para o ser falante, apenas o regime do encontro.” (Lacan, J. O seminário, livro 20: mais ainda, p. 127)
Estamos dedicados ao tema proposto para o XXII Encontro do Campo Freudiano no Brasil: “A queda do falocentrismo: as consequências para a psicanálise”. Ao ler o parágrafo sugerido pela Coordenação do Boletim Polifonias, surge uma pergunta: o que nos permite pensar a afirmação aí presente?
Sabemos que o falo foi destacado desde os primórdios da psicanálise por S. Freud designando-lhe como um conceito que permite pensar a diferença sexual. J. Lacan continuou o trabalho de elaboração sobre o falo ao longo de seu ensino, atribuindo a esse conceito várias designações: objeto imaginário, significado do desejo do desejo do Outro, significante da falta do Outro, presença real, significante do gozo e alguns outros.
A grande virada sobre o tema do falo foi realizada pela psicanálise a partir do momento em que se extraiu o falo do lugar dos mistérios, tal qual era na época da Grécia Antiga[1] e em outros povos, e se o elevou à categoria de conceito que articula duas dimensões: o desejo e o gozo.
Cabe lembrar que o falo não deve ser confundido com o órgão masculino, sendo este último uma de suas múltiplas apresentações[2]. Justamente foi essa confusão que gerou um intenso debate durante bastante tempo, dentro e fora do campo da psicanálise.
O capítulo, onde se encontra o parágrafo a comentar, contém algumas ideias em torno da relação entre o saber e a verdade na experiência analítica. O saber produzido ao longo de uma análise ocupa o lugar da verdade, e se encontra escrito na fórmula do discurso do analista. O tema do falo e sua função surge alinhavado ao desejo e é pensado a partir dos modos de existência propostos por Aristóteles: o necessário, o contingente, o possível e o impossível.
Em primeiro lugar dissemos que, em sentido amplo, o termo função corresponde a um processo lógico que se expressa com um “depende de” e se aplica a tudo aquilo que tem relação com um resultado. Portanto a função fálica implica a dependência do falo, situado como o significante da falta do Outro, que permite a construção da significação fálica.
Dito isto é importante assinalar que os modos de existência são inseridos na escrita ao longo do seminário, assim o necessário é aquilo “que não para de se escrever”, o contingente é “aquilo que para de não se escrever” e o impossível é aquilo que “não para de não se escrever”.
Durante a experiência analítica, J. Lacan diz que se produz algo novo, algo que se descobre: isto é a função fálica. Ela não tem, pois, o modo de existência do necessário e sim do contingente, definido como “aquilo que para de não se escrever”.
É no discurso analítico que a função fálica se realiza como aquilo que surpreende, ou seja, sempre como da ordem do acaso que afeta o simbólico e o imaginário.
Esse fato inesperado dá a possibilidade ao analisante de escrever algo novo. Consideramos que, com o surgimento da função fálica, gera-se a condição de distinguir dois campos, aquele que se subordina ao fálico e aquele que está além dele.
Os testemunhos de passe dos AEs e os relatos de casos clínicos nos ensinam sobre esses momentos onde essa função opera e submete a inexistência da relação sexual (modo do impossível) no falasser a agir no regime do encontro, do que pode vir a acontecer.
Cabe acrescentar que os casos de psicose indicam como, frente à impossibilidade desta função emergir durante o percurso da análise, os sujeitos psicóticos trabalham arduamente para destacar outro significante que lhes permita habitar a linguagem sem serem tão habitados por ela.