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O cartel como forma de resistência ao mal-estar na cultura e a formação do analista

 Assim de supetão, qualquer recém-chegado pode fazer avançar a psicanálise? Sim, é essa a aposta inicial da Escola, quando não se define como uma “escola de psicanalistas e candidatos”, mas de trabalhadores; quando não deixa quem a ela se dirige em posição de pedinte à espera de iniciar-se num Suposto Saber, mas quando faz desse Suposto Saber o princípio de uma transferência de trabalho, quando faz de outros saberes, saberes que não os da psicanálise, uma razão para interrogar esta. (BASSOLS, 2021, p. 49)[1].

Diferentemente do universal que se evoca com o significante escola, como um lugar de respostas, a concepção de Escola para Lacan propõe exatamente o contrário: um lugar de convite ao trabalho a partir das perguntas que dividem e interrogam cada um dos que dela se aproximam em sua experiência com a psicanálise. Para sustentar essa concepção, Lacan criou o dispositivo do Cartel, colocando-o em um lugar de centralidade em sua organização e na formação contínua do analista.

O nome escolhido para dizer dessa modalidade tem origem no termo “cardo”, do latim, que significa dobradiça. O cartel condensa, portanto, a proposta de um determinado tempo em que três, quatro ou cinco pessoas se reúnem a partir de um não saber, com a participação de um Mais-Um, cuja modesta e fundamental função é a de zelar para que “nenhum Senhor tenha assento nesse grupo”[2]. E também para que a dobradiça entre o que é o traço mais singular de cada participante e sua questão de pesquisa possa se manter pulsante e em articulação com o coletivo do cartel e da Escola. Ao final de um período de até dois anos, cada cartelizante pode vir a apresentar o que pode extrair deste percurso.

A dobradiça também evidencia a necessidade de articular as alteridades, inclusive entre os que estão chegando e os que já têm um percurso em sua formação sempre contínua, fazendo do cartel o dispositivo central para o trabalho realizado na Escola, tal como queria Lacan. Por tratar-se de uma “escola de trabalhadores”, tanto os recém-chegados, como os chegados há mais tempo, podem, a partir do cartel, aportar suas contribuições para fazer avançar a psicanálise, na medida em que se avança também na própria formação.

Partindo desta construção, o cartel como forma de resistência ao mal-estar na cultura e a formação do analista tornou-se o eixo organizador da proposta desta gestão (2023-2024), num convite para pensar quais as possibilidades e funções do cartel no momento atual. Além disso, na perspectiva do Intercâmbio com outras áreas do saber, buscando aí uma razão para interrogar a própria psicanalise, como destaca Bassols, registramos, como parte do programa, nosso desejo em criar momentos de conversa acerca do que produz mal-estar na cultura hoje.


Diretoria de Cartéis e Intercâmbio da EBP Seção Sul (2023-2024)

  • Adriana Rodrigues (Diretora)
  • Juliana Rego Silva
  • Maria Luiza Rovaris Cidade
  • Mauro Agosti
  • Verônica Montenegro
[1] BASSOLS, Miquel. A porta do cartel. In: BROWN, Nohemí (org). Cartel: novas leituras. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2021. p. 49.
[2] OTONI, Fernanda. O Plano Lacan no século XXI. In: BROWN, Nohemí (org). Cartel: novas leituras. São Paulo: Escola Brasileira de Psicanálise, 2021. p. 157.
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