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Boletim Baque

TraumArte

Abocanhados

por Suele Conde Soares

O escritor Peter Benchley, na abertura de seu livro Tubarão [1] que posteriormente inspirou o filme de mesmo nome, diz que a escrita do livro foi “uma paixão de infância”. Medo e fascínio permearam o imaginário do autor desde criança, culminando na ideia de escrever um romance sobre o que aconteceria se um grande predador invadisse um balneário de uma cidadezinha que obtém dos turistas seu principal lucro. Benchley vê com o lançamento de seu romance o fascínio e horror se concretizarem. A obra faz sucesso se transformando em filme e, por outro lado, uma repercussão negativa no aumento da caça ao tubarão-branco.

Um corpo de mulher é encontrado na praia. Um corpo nu. Nesse corpo, faltam partes. A esse corpo, com a falta exposta, é atribuído o primeiro registro do ataque de tubarão. Trauma. Como o encontro da linguagem com o corpo. Quando a língua toca o corpo do vivente. No mar da linguagem, algo esbarra no corpo, traumatizando. Todos os questionamentos que surgem depois vêm como tentativa de dar conta desse encontro que produziu um corpo traumatizado, faltante. É após o surgimento na praia desse corpo nu e faltante de mulher que as investigações começam para saber a origem desse corpo e o que causou violentas marcas. O romance se inicia com o desaparecimento de uma mulher: “(…) essa jovem gostava de fazer coisas estranhas? Tipo sair no meio da noite, ou andar por aí sem roupa?” [2]. Até o encontro de seu corpo: “(…) a massa de carne dilacerada estava cheia de manchas roxas (…), o que sobrou do seio da mulher parecia achatado como uma flor espremida num livro de memórias” [3]. Para dar conta desse corpo traumatizado, algo surge: “o que aconteceu com ela? Não posso afirmar. Extraoficialmente, diria que foi atacada por um tubarão” [4].

Os sujeitos tentam dar conta do encontro com o que é da ordem do sexual. É um encontro que porta gozo e linguagem. O corpo do vivente é abocanhado pela linguagem, não sem um resto que sobra sempre a saber. “O grande tubarão-branco. Tem outros que atacam gente (…), mas para cortar uma mulher ao meio assim teria que ser um peixe com uma boca desse tamanho” [5].

Do fascínio e horror quando criança nas pescarias que fazia com seu pai e seu irmão, surge para Peter Benchley essa paixão: o tubarão. “Para mim significavam o desconhecido e o misterioso de um perigo invisível” [6].

Arrisquemo-nos, então, a esse encontro traumático entre corpo e linguagem que a V Jornada da Seção Nordeste nos convida.

 

NOTAS

[1] Obra originalmente publicada em 1974, com o título Jaws.

[2] BENCHLEY, 2015, p. 35.

[3] Ibidem, p. 36.

[4] Ibidem, p. 37.

[5] Ibidem, p. 46-47.

[6] Ibidem, p. 11.

 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BENCHLEY, P. Tubarão. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2015.

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