por Cláudia Formiga (EBP/AMP)
Coordenadora da Comissão de Mídias
Trauma é traço, rasura. O que não se apaga do encontro com o real e que, em uma análise, se recolhe no sintoma como marca, letra de gozo. Esta rubrica se destina a acolher referências comentadas pelos membros EBP/AMP, bem como as marcas deixadas por sua leitura.
Neste número, três citações, cuidadosamente garimpadas do diálogo com os Eixos da nossa Jornada, encontram o traço singular das colegas Karynna Nóbrega, Gisella Lopes e Lídia Pessoa, que se deixaram tocar pelo texto de Lacan e a partir dele se colocaram a trabalho.
“Digamos que o fantasma, em seu uso fundamental, é aquilo mediante o qual o sujeito se sustenta no nível de seu desejo evanescente, evanescente porquanto a própria satisfação da demanda lhe subtrai seu objeto.” [1]
Comentada por Karynna Nóbrega (EBP/AMP)
Lacan indica a importância do manejo da transferência na direção da cura e destaca a relevância dos objetos a (seio, fezes, olhar, voz, nada) para se ter acesso à montagem do fantasma. Montagem, porque é construída no decorrer do tratamento e está vinculada a uma frase ou cena proveniente do Outro. O analista não deve atender à demanda, pois é justamente a partir dessa negativa que o desejo pode advir. A expressão “uso fundamental” indica o modo singular, pelo qual cada sujeito se serve do fantasma para responder à dimensão enigmática do desejo do Outro e para extrair uma satisfação mediada pelo desejo. O fantasma é, portanto, uma resposta ao desejo do Outro e faz o sujeito mover-se em torno dos objetos. Contudo, essa satisfação é evanescente, pois se desfaz, após a resposta à demanda do Outro.
“O inconsciente é que, em suma, fala-se sozinho, se é que há falasser… Falamos sozinhos porque só se diz uma única e mesma coisa, exceto se nos abrimos para dialogar com um psicanalista. Não há meio de fazer outra coisa que receber de um analista o que perturba nossa própria defesa […]” [2]
Comentada por Gisella Sette Lopes (EBP/AMP)
A citação toma como referência o inconsciente enxame – inconsciente dos Uns sozinhos (S1, S1, S1…..). Falando sempre o mesmo, de si para si, se fala só até que surja um eu que delira na equivocidade linguageira. Ou ainda, conforme Lacan, quando algum analista perturbar a defesa aquela de uma letra de gozo sintomático. Vale esclarecer que este inconsciente de Uns sozinhos não articulados faz consistir o inconsciente e se traduz ao escrever-se como as letras de gozo do sintoma.
“Se a violência distingue-se em sua essência da fala, pode colocar-se a questão de saber em que medida a violência como tal — para distingui-la do uso que fazemos do termo agressividade — pode ser recalcada, uma vez que postulamos como princípio que só pode ser recalcado, em princípio, aquilo que revela ter ingressado na estrutura da fala, isto é, a uma articulação significante” [3]
Comentada por Maria Lídia Pessoa (EBP/AMP)
Lacan vai distinguir a violência como tal da noção de agressividade a partir da noção de recalque. Pois, a princípio, somente pode ser recalcado o que incide sobre articulações significantes. Lacan questiona se a violência pode ser recalcada, uma vez que está colocada fora do circuito da palavra, não sendo alcançada pela interpretação como ocorre na agressividade, que está ligada à identificação narcísica e a estrutura do eu, desenvolvida na tese IV em A agressividade em psicanálise. Nos dias de hoje, assistimos a atos violentos, como o genocídio político, o feminicídio, talvez como resultados do rompimento com o simbólico, retornando no real, um gozo fora do sentido.
NOTAS
[1] LACAN, J. A direção do tratamento e os princípios de seu poder [1958]. In: LACAN, J. Escritos. 1998 , p. 643.
[2] _____. Le Séminaire, livre 24: L’insu que sait de l’une-bévue s’aile à mourre (1976-1977). Lição 4 de 11/01/1977. Texto inédito.
[3] _____.O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. RJ: JZE, 1999, p. 471.

Comments (0)