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In locu

15 de julho de 20243 minute read

por Anderson Barbosa

“O Sol ainda não nascera. Era quase impossível distinguir o céu do mar, mas este apresentava algumas rugas, como se de um pedaço de tecido se tratasse. Aos poucos, à medida que o céu clareava, uma linha escura estendeu-se no horizonte, dividindo o céu e o mar. Então, o tecido cinzento coloriu-se de manchas em movimento, umas sucedendo-se às outras, junto à superfície, perseguindo-se mutuamente, sem parar.”

Virgínia Woolf, As ondas[1].

O In Locu do primeiro Boletim Hiante se debruça sobre o significante que marca a cidade de João Pessoa, no extremo oriental das Américas: Porta do Sol. Como apontado no editorial de abertura, nossa cidade é recortada pela luz que primeiro invade o continente, mas que dele também primeiro se esvai. É nesse lugar, conhecido como “Ponta do Seixas”, que em 1972, sob a assinatura do professor do Departamento de Arquitetura da UFPB, Pedro Abraão Diebe, foi construído o farol que visava ser a marca dessa dança com a luz.

A ideia era homenagear a planta de sisal, símbolo comercial do estado da Paraíba durante muitos anos. Para tal, foram projetadas pontas em formato triangular, como lanças, que, em seu conjunto e vistas do alto, parecem apontar como uma seta para o sem-fim do horizonte marítimo.

O farol se localiza sobre uma falésia que o mar desenhou na encosta durante milhares de anos e que, apesar das construções, estradas, exploração humana e tentativas de contenção, segue sendo esculpida pelo oceano que, em nossa orla, insiste em imprimir curvas salientes, rasgando a terra como um tecido, feito de luz e sombra, como diz Virginia Woolf em As ondas. Pouco a pouco, a paisagem que antes era local de passagem, expõe uma ferida arredondada, um furo feito pelo mar.

Lacan escreve Lituraterra depois de voltar de uma viagem a Osaka, no Japão (país conhecido por ser, talvez como aqui, a “terra do sol nascente”). Fica impressionado ao sobrevoar a Península Ibérica e observar como o oceano se confunde com o continente em um estreito litoral, cuja água desenhava sulcos. No Seminário 18, comenta sobre a arquitetura japonesa que mescla o antigo e o moderno. Fica capturado, assim, pela lógica das curvas que cobriam toda a cidade, permitindo-o constatar que nada segue a linha reta, nem mesmo o facho de luz que é “totalmente solidário com a curva universal”[2] (p. 115).

Totalmente solidária com a curva universal, também a falésia do Cabo Branco recebe a luz sinuosa do além-mar e se deixa desenhar em curvas pela violência das águas. O mar avança e cria, ao mesmo tempo, o cartão postal e o buraco. É de braços dados com isso que não faz linha reta, sinal do real, que João Pessoa visa receber a todos os interessados em participar presencialmente ou mesmo online da IV Jornada da Seção Nordeste.


[1] Woolf, V. (2021). As ondas. Belo Horizonte: Autêntica. (Trabalho original publicado em 1931).

[2] Lacan, J. (2009). O seminário, livro 18: de um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1971).

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