José Augusto Rocha (da Comissão de Divulgação)
Perguntas. É assim que uma psicanálise avança, isto é, a partir das interrogações de seu tempo. No Encontro Preparatório da III Jornada da Seção Nordeste, o Eixo I, sob responsabilidade de Rosa Reis e Rosa Feitosa e coordenação de Eliane Neves Baptista, perguntou-se como situar a noção de acontecimento de corpo à luz da noção do delírio generalizado?
Passemos ao que nos espreita. Todo mundo delira? Ponto um. Desde sempre ou seria uma resposta de nosso tempo? Dito novamente, a foraclusão é generalizada desde antes? Ponto dois. Inclusive o esquizofrênico que se serve da ironia frente ao Outro? Ele delira? Ponto três. E as histéricas, as quais o encontro entre significante e corpo não raro desdobra-se num impasse que marca o corpo: às vezes ruborizar quando se deveria rugir. Como localizar o acontecimento de corpo? Ponto quatro. Ao desdobrar tais questões, surgem outras: um acontecimento no corpo e um acontecimento de corpo têm aproximações ou distinções?
Perguntas, então. Como desdobrar na clínica e na investigação proposta por esta III Jornada as questões que nos foram apresentadas, desde as elencadas por Fernanda Vasconcelos, a saber, o acontecimento de corpo permanece mutável? Como na clínica pode-se ler o sintoma enquanto acontecimento de corpo? E mais: o que uma análise permite deslocar do gozo engendrado no acontecimento de corpo?
Marina Cursino, por sua vez, a partir de um fragmento de passe de Marie-Hélène Blancard, colocou-nos a trabalho: qual a relação entre a compulsão à repetição do sintoma e as marcas provenientes do encontro com o significante? Sendo a letra litoral, como nos diz Lacan, qual seu lugar na construção dos delírios particulares de cada sujeito? Nas urgências subjetivas, situações em que o sujeito não dispõe de um aparato simbólico mínimo para responder a determinado acontecimento, qual a relação com o acontecimento de corpo? O que desses encontros com o real podemos extrair na direção de nossas escutas?
Na clínica das psicoses, como bem nos lembrou Romero Ouriques, todo discurso delira por ser semblante? Logo aos que têm uma posição irônica frente ao Outro pode-se dizer: todos deliram menos 1? Na vinheta apresentada, Vanessa Soares trouxe os desafios clínicos de nosso tempo.
Ao articular o múltiplo e o Um, podemos circunscrever tais indagações em torno de uma orientação. O acontecimento de corpo é a inscrição do furo, do trou, do troumatisme de lalíngua, tal como esclareceu Cleide Monteiro. O acontecimento no corpo, então, comumente conhecido como fenômeno psicossomático, é quando o furo não aconteceu. A interrogação presente no final de todos delirantes?, título da III Jornada, é uma indicação clínica, pois como operar, por exemplo, uma experiência analítica na esquizofrenia sem conduzir para que algo do delírio se produza, tal como Glacy Gorski nos advertiu ao retomar J-A Miller e Éric Laurent?
Podemos nos servir dos significantes desse encontro como o Pequeno Polegar se servia dos pedacinhos de pão espalhados pela floresta. Perguntando-se, por fim, quais as divagações cada falasser produz, a seu modo, diante do Não há relação sexual.