Francisco Santos
Da esperança das primaveras ao terror dos atentados; da celebração de liberdade ao extremismo em seu mesmo nome. Enquanto o mundo parece oscilar entre suas confusas bandeiras, entre significantes mestres que, como aponta Laurent, servem para enganchar sujeitos nos cabedais do negacionismo, do extremismo, o que diz a psicanálise? O que o analista tem a ver com a política? E de que política podemos falar em psicanálise?
Desde Freud, a psicanálise operou como uma ruptura, um furo perpetrado por seus praticantes e teóricos nas ordenações de gozo que se fazem presentes nos sintomas que chegam aos consultórios e nos acontecimentos dos diversos territórios e comunidades, o que embasa a advertência de Lacan de o analista não se furtar a “alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época” [1].
Contudo, como há de operar a psicanálise essa ruptura? Qual a posição do analista frente ao aparente “estatuto fundamental de nossa época, a angústia” [2]? Isso sem que se caia no canto da sereia da verdade científica, do zênite religioso ou mesmo do ideal partidário, ou seja, ordenações que aglutinam os “indivíduos” em oposição às singularidades dos falasseres. O inconsciente freudiano — avançado por Lacan para o conceito de falasser — é a própria justificativa ao axioma “o inconsciente é a política”, sendo o corpo falante o inverso do corpo que se tem, “separado dos outros” [3].
Brousse avisa, com Lacan, que não se pode calar; questiona aquela neutralidade de que tanto se falou em alguns costumes, que “não significa estar fora da subjetividade de sua época” [4], isto é, não confundir fazer calar o imperativo superegoico do gozo com a anuência aos imperativos ditatoriais das ideologias, da ciência, do consumo, que calam os falasseres, onde a diversidade é aparada no raso.
Se o desejo é o desejo do Outro, estando assim fora de qualquer ideia de individualização, é mister ao analista compreender que a pretensa neutralidade no consultório não elimina o fato de que agir como um analista já é um fato político.
Então se o analista, em sua prática, já se configura um fato político, em que ele pode se implicar, a partir de e para além do consultório? É uma questão para cada um de nós, e que pode encontrar caminho nas produções apresentadas em nossa Jornada. Ao trabalho!