Eixos Temáticos

Eixo I –  “Como situar a noção de acontecimento de corpo à luz do conceito de delírio generalizado?”

Responsáveis: Rosa Reis (EBP/AMP) e Rosa Feitosa (Correspondente Seção Nordeste)

Lacan usou a expressão ‘acontecimento de corpo’ para nomear o lugar do sinthoma após recolher sua eficácia na obra de Joyce [1]. O sinthoma, no Seminário 23, é uma reparação, uma suplência do lapso no nó borromeano: no real, no simbólico ou no imaginário e representa o sintoma quando este se encontra fora do inconsciente transferencial, reduzido ao seu núcleo de gozo. É um acontecimento de corpo.

J.-A Miller propôs a seguinte definição de um acontecimento de corpo: “Trata-se, sempre, de acontecimentos de discurso que deixaram seus rastros no corpo” [2].

O acontecimento de corpo mostra algo do indizível, deixando marcas de significantes em forma de discurso ou não, mas que produzem sintomas relativamente à contingência de um dito, ou seja, no instante em que um dizer atinge seu alvo, tem um impacto real. É preciso, ainda, que um encontro com o real se produza. A contingência de um real deve estar concernida.

O objeto de gozo alojado entre o S1 e o S2, o primeiro com zero sentido, considerado por Lacan como fenômeno elementar, só se sabe quando aparece o segundo. Todo neurótico leva em si esse significante. A esse respeito, Miller enfatiza as incidências da língua sobre o corpo do ser falante. “O que distingue o corpo do ser falante é que seu gozo sofre a incidência da palavra”[3], que Lacan tratou como traumatismo de lalíngua.

No Seminário “Mais, ainda… “Lacan introduz o que chama sua hipótese: “O sujeito do significante e o indivíduo – isto é, o corpo vivo – não são mais que um, se cruzam e o sujeito se produz nesse corpo. Minha hipótese é que o indivíduo afetado de inconsciente é o mesmo que faz o que chamo sujeito do significante” [4]. Essa hipótese de Lacan abre caminho para um entendimento de como se dá o acontecimento de corpo à luz do delírio generalizado.

Tanto o delírio quanto o fenômeno elementar fazem parte do discurso de todo falasser. Miller cita o descobrimento de Lacan que diz: “O fenômeno elementar está estruturado e sua estrutura é a linguagem, tal como a do delírio. Há, pois, entre ambos uma comunidade de estrutura”[5]. Será que essa comunidade ainda pode ser chamada de Inconsciente? Visto dessa forma, apresenta o Outro, não dentro de um sistema simbólico, mas um Outro que passa a ser o próprio corpo e esse corpo surge como superfície de inscrição de gozo.

O eixo I acolhe os trabalhos que abordam questões tais como: O que é um acontecimento de corpo? De que corpo se trata? O traumatismo de lalíngua gera uma estranheza do falasser em relação a si mesmo?


[1] Antelo, Marcela, Editorial da revista de Psicanálise Agente nº 15, Salvador Bahia, 2013.
[2]  Miller,J.A, Ler um sintoma. Lacan XXI. Revista de FAPOL, online, n. 1, abr. 2016.
[3] Naveau, Pierre, O que do encontro se escreve: estudos lacanianos. Tradução Vera Avellar Ribeiro. Belo Horizonte: EBP Editora. 2017.
[4] Miller, Jacques Alain, La experiencia de lo real en la cura psicoanalítica, Paidós, 2004, p. 372.
[5] Miller, Jacques Alain. El saber delirante, Paidós, 2005, p.96.