Anamaria Vasconcelos
Januário Marques
O Núcleo de Pesquisa sobre Autismo faz parte do Instituto de Psicanálise do Nordeste (IPSIN) e recebe com alegria o convite para tecer alguns comentários sobre o tema da III Jornada da Escola Brasileira de Psicanálise Seção Nordeste “Cada um em seu mundo: todos delirantes?”.
Detemo-nos ao chamado para pensar o que a clínica com os autistas pode nos ensinar sobre o tema, já no Argumento destacamos:
Considerar o delírio como generalizado implica que ‘todos os nossos discursos não passam de defesas contra o real’. (…) A letra designa antes o traço de lalingua sobre o corpo do falasser. Essa noção de letra conduz, assim, a uma nova definição do sintoma. Ele não é mais definido como uma formação do inconsciente, retorno do recalcado, mas como um acontecimento de corpo, emergência de gozo. (…) Esse neologismo de Lacan e o deslocamento do ponto de pertinência de sua elaboração do Outro ao Um, do Ser à Existência, do Simbólico ao Real, têm consequências na abordagem do sofrimento humano. Pela via do sinthoma, como podemos ler a relação do falasser com o mundo? [1]
Pensamos no tamanho da responsabilidade que temos quando empunhamos a bandeira do trabalho com sujeitos autistas e suas famílias: é enorme e — para além de todo desejo que move o trabalho — é uma questão ética.
Sabemos que a palavra é coisa séria. Para o autista não é diferente; possui um estatuto particular e como bem diz Bruno de Halleux (2023), em Psicanálise aplicada à Antenne 110, a palavra não é a morte da Coisa: ela é a Coisa. Sustenta, então, tal premissa ao trazer Lacan na Conferência em Genebra ao dizer “que o peso das palavras, para esses sujeitos, é muito sério e que eles não estão facilmente dispostos a ficar numa boa com elas” [2]. Diz-nos, também, Halleux (2023) que “a aposta parece louca… Levar a sério indicação de Lacan de que a criança autista se situa na linguagem: o que implica que tenhamos algo a lhes dizer e escutar dela” [3].
A partir de uma visita feita à exposição Nossos segredos de OSGEMEOS, que passou pelo Instituto Ricardo Brennand, em Recife, uma palavra evocou um instante de ver que aqui trazemos como questão para as possíveis contribuições da nossa jornada. “(…) Tritrez – faz surgir instalações como ‘Templo’, ‘Um mundo, uma só voz’ e ‘O Abduzido’, que transbordam em cores, luzes e sons” [4].
TRITEZ, a princípio sem significação, soa como pura lalíngua, um som… O que cada sujeito faz a partir desses sons, de sua lalíngua própria? Com os autistas a pergunta não seria diferente, fazemos um recorte do argumento para nos indagar — pela via da lalíngua — como podemos ler a relação dos autistas com o mundo?
Convidamos a todos os interessados a trazerem suas contribuições para essa incrível III Jornada.