José Augusto Rocha (da Comissão de Divulgação)
Caros leitores,
Chegamos ao Boletim #8.
O que o leitor tem em mãos são textos que buscam articular duas premissas, a meu ver, fundamentais para psicanálise: política lacaniana e acontecimento de corpo.
Em Ressonâncias, resenha da Atividade Preparatória III feita por Vânia Ferreira, O que está em jogo na política lacaniana se nos referirmos a ela como acontecimento de corpo? foi a pergunta orientadora a diversos trabalhos, os quais buscavam, a seu modo, cerzir que não há clínica sem política nem psicanálise que não esteja atenta às modalidades de laço, segregação e racismo de seu tempo.
Durante uma sessão, Suzanne Hommel relata um sonho: “acordo todo dia às 5h”. Não sem antes acrescentar: “era às 5h que a Gestapo vinha procurar os judeus em suas casas”. Hommel havia nascido na Alemanha em 1938 e crescera, portanto, sob os horrores da guerra — a hostilidade e a angústia, a fome e as mentiras, o desamparo e a solidão. Ao relatar, então, o sonho a Lacan, este moveu-se como um raio, saindo de sua poltrona em direção ao corpo de Hommel. A essa iteração de gozo, Lacan fez um ato. Gestapo — a polícia secreta nazista — ganhara um novo efeito no corpo de Hommel: gest à peau, um doce carinho em sua face feito pelo analista. Lacan apostou evidentemente na equivocidade materializada no significante mestre Gestapo em direção ao gest à peau. Ao fazer tal ato, produziu em seu corpo um acontecimento contingente, o qual lhe garantiu, que 40 anos depois daquela sessão, pudesse não apenas recordar como sentir novamente o afago, gest à peau. Tal episódio é retomado na apresentação de Lídia Pessoa, presente na Atividade Preparatória do Eixo III. Retomado, diga-se, ao sublinhar “o horror do nazismo” no significante Gestapo – ou seja, destacando a dimensão política presente.
Francisco Santos, em O analista e sua época, apresenta como a política e o analista são inseparáveis. Com efeito, quando pensamos nessa relação, cabe estabelecer, de saída, de que política se trata. O analista não pode calar-se frente às questões de sua época; deve estar atento aos significantes em circulação, sem que, contudo, seja apanhado pelos ideais políticos, o imperativo do consumo e da ciência. Fazer calar o empuxo ao gozo difere de crer-se neutro ou anuente ao que se apresenta na civilização. Para Francisco Santos, o analista em sua prática é um fato político. Perguntamos, com ele, “em que o analista pode se implicar, a partir de e para além do consultório”.
Na rubrica A palavra do IPSIN, Anamaria Vasconcelos e Januário Marques, que coordenam o Núcleo de Pesquisa sobre Autismo, escrevem um texto a quatro mãos e muitas vozes. As mãos são dos dois autores, e as vozes, dos autistas. A princípio, evidenciam que “a palavra é coisa séria”, e nos levam a perceber seu estatuto singular para os autistas. Ao apostar que os autistas têm algo a dizer, convém ao analista uma posição clínica (e por essa razão política) de ouvi-los.
Em Peças Soltas, assistimos ao vídeo dos parangolés de Hélio Oiticica e, simultaneamente, compreendemos que a arte é o avesso da neutralidade. Neste Boletim #8, o leitor pode acessar, em Referências Comentadas, as contribuições da Comissão de Referências nos comentários de Kesia Ramos e Roberta de Araújo Gusmao, bem como na entrega da terceira e última remessa das Referências Bibliográficas, a qual reúne um rico material bibliográfico como suporte nas pesquisas de cada um em torno dos Eixos Temáticos. Na rubrica Acolhimento, temos um guia, confeccionado especialmente pela Comissão de Acolhimento, para os que vierem presencialmente para a III Jornada da Seção Nordeste a fim de aproveitarem melhor a cidade do Recife, sede da nossa III Jornada.
E, por falar em Recife, cabe recordar o frevo de Antonio Maria: Quando eu me lembro/ O Recife tá longe/ A saudade é tão grande/ Eu até me embaraço. Recife está perto. Cada dia mais perto. Estamos em contagem regressiva. Essa III Jornada será o acontecimento do encontro dos corpos em uma terra que tem ritmo, cheiro e cor.