Eixos Temáticos

EIXO II – Pela via do sinthoma, como podemos ler a relação do falasser com o mundo?

Responsável: José Carlos Lapenda (EBP/AMP) e Sílvia Farias (Aderente Seção Nordeste).

A relação do falasser com o mundo está marcada pelo acontecimento originário, inaugural e traumático do encontro da carne com o significante. Trata-se do encontro do corpo com as palavras sem significação, que Lacan denominou de lalíngua, enxame de S1, entrada de um gozo “deslocalizado”. Tal experiência produz ressonâncias, efeitos e afetos enigmáticos, impossíveis de serem enunciados pelo sujeito. São marcas, entidades de gozo que nada comunicam, antes geram satisfação pulsional.

Lacan  denominou esse encontro de troumatisme (trou: buraco + traumatismo), momento de emergência do real, e o relacionou ao acontecimento de corpo, que concerne ao sinthoma, ao incurável desse encontro traumático, ao gozo que foge à lógica do significante. Isso significa dizer que na constituição da subjetividade se instala a defesa sintomática frente ao real opaco. Nessa perspectiva, a prática psicanalítica visa reconduzir a trama do destino do sujeito da estrutura em direção ao fora de sentido, às manifestações que não conhecem deslocamento, por se nutrirem da repetição, da inércia, índices da pulsão alojada no corpo.

Devido à diminuição da referência paterna na contemporaneidade líquida, essa vertente da subjetividade se apresenta de modo exuberante nos quadros de anorexias, bulimias, demandas excessivas e realizações de procedimentos estéticos e cirurgias plásticas, tatuagens, toxicomanias e automutilações, sem esquecermos a vasta extensão das psicoses ordinárias, evidenciando a inflação imaginária e a queda dos semblantes.

As questões a seguir têm por objetivo estimular a escrita de trabalhos sobre o vivo da clínica do falasser, justamente por tocarem em pontos cruciais da relação deste com o mundo.

Quais as mudanças operadas na clínica analítica, a partir do último ensino de Lacan, para dar conta da iteração e tendência ao ilimitado do gozo fora do discurso?

Como os novos sintomas chegam à clínica e como deve operar o analista frente às pequenas invenções sintomáticas?

No contexto do avanço da globalização que induz um ideal de universalidade, como levar adiante o discurso analítico orientado por uma ética da singularidade, do “saber fazer” com o gozo?


HORNE, B. Gurgel, Iordan (orgs.) “O campo uniano: o último ensino de Lacan e suas consequências”. Goiânia: Editora Ares, 2022.
LACAN, J. “O seminário, livro 23: o sinthoma” (1975-1976). Tradução de Sérgio Laia. Campo Freudiano do Brasil, Rio de Janeiro: J. Zahar, 2007.
MANDIL, R. “Há um acontecimento de corpo”. Opção Lacaniana online, Ano 5, nº 13, 2014.
MILLER, J.A. “La experiencia de lo real en la cura psicoanalítica”. Buenos Aires: Paidós, 2006.
MILLER, J.A. “Lo Real y El Sentido”. Buenos Aires: Collección Diva, abril de 2003.
MILLER, J.A. “Perspectivas do Seminário 23 de Lacan: O Sinthoma”. Campo Freudiano do Brasil, Rio de Janeiro: J. Zahar, 2010.
SANTIAGO, A.L. “Acontecimento de corpo”. Boletim Ecos nº 2, 25ª Jornada da EBP – M.G.: 2021.