Na ausência do desejo os tempos são sombrios. Mais sombrios, ainda, nesse nosso tempo em que as pessoas foram remetidas a si mesmas, ao próprio destino individual com todos os riscos e contradições que isso comporta. Um deles é a desinserção social que assola as grandes cidades desse nosso país, que se mostram incapazes de acolher e alojar as pessoas que a elas se dirigem em busca exatamente do que elas não têm para oferecer: um lugar e uma inscrição no Outro social.
Isso porque um dos efeitos do discurso capitalista vigente é o esgarçamento, ou mesmo a dissolução, do laço social, uma vez que tal discurso não supõe nenhum laço entre parceiros humanos.
Sabemos com a psicanálise que nenhum discurso que tenha a intolerância como significante-mestre conseguirá fazer face ao mal-estar provocado por esse esgarçamento. Lembremo-nos de Lacan quando afirma no Seminário 10, A angústia1, que só o amor poderá fazer o gozo condescender ao desejo.
Nós psicanalistas também sabemos que, nos tempos atuais, o significante foi substituído pelo objeto que contém gozo e que se realiza sem pensamento, sem discurso e sem ética.
Busquemos então valores menos cínicos do que os propostos por discursos canibalistas que propõem riquezas e poder acumulados em cima e os restos embaixo. Sem esquecer jamais que o medo leva ao irracionalismo, ao extremismo e ao fanatismo.
Concluo com uma questão a nós mesmos endereçada: com que ouvido escutar os impasses, as contradições e os paradoxos que, nesses dias, dividem muitos sujeitos entre o medo do Outro malvado e a intolerância do Outro cínico?
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