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O fantasma
Marcela Antelo
 

No boletim do próximo Fórum Zadig em Bruxelas sobre Os discursos que matam, que acontecerá em dezembro, Philipe Hellebois afirma que a modalidade foro é nossa segunda natureza. Eu concordo. Demitir-se hoje da palavra é trair nosso tesouro mais prezado. Parece-me peremptório exercitar o único recurso de que se dispõe, o verbo, para orientar-se nessa escuridão.

Nessas duas páginas que se divulgaram ontem, encontro uma orientação. Após falar da impossível globalização do gozo entre os falantes, Hellebois diz que é daí que Lacan extrai a ideia de que os fantasmas racistas proliferam. Na medida em que o remanejamento contemporâneo das populações e dos corpos avança com as migrações forçadas, a universalização imposta pela ciência e os avanços tecnológicos que permitem deslocamentos múltiplos, a segregação se impõe como modo de tratamento do real da multiplicidade. Citando a Proposição de 9 de outubro de 19671 , lembra Hellebois, Lacan "[...]fez dos nazistas nada menos que os precursores que suscitariam no porvir numerosas vocações"2 . Vocações nazistas. Esse tempo chegou, evidentemente, diz Hellebois. Não mais de suástica e uniforme, menos escancarados. “Seus seguidores são mais discretos, até ordinários, e fazem o pior à sua imagem. A eles se aplica a expressão de Hannah Arendt, a banalidade do mal"3 . "Eles se dizem democratas, mas atuam como perfeitos canalhas explorando, para se fazer escolher, o fantasma racista que caminha nas profundezas do gosto"4 .

Ao sul do Equador, como é de costume, o rei passeia muito mais nu, pelado digamos, ou se ele assim o desejar, ostentando um uniforme. Aqui a vocação fascista se revela escancarada, armada, irada, ilimitada. O fantasma racista caminha hoje no Brasil numa profundeza mais profunda do gosto em uma terra onde até ontem havia publicamente escravos, hoje escondidos5. Devemos ler A dama da liberdade.

Hellebois pensa que, justamente por se tratar de um fantasma, interessa ao analista. Eu concordo. Não se trata só de condená-lo, mas de mostrar o que é, contribuindo para que a loucura do racismo e da segregação não se cristalize. Conversação e debate com a opinião esclarecida ou conversação e debate com a opinião escurecida que a todos nós atravessa.

1 LACAN, J. “Proposition du 9 octobre 1967 sur le psychanalyste de l’Ecole”. Em: Autres écrits. Paris: Seuil, 2001, p. 257.
2 HELLEBOIS, P. Ne participent à l’histoire que les déportés, 16 septembre 2018, A la une, Hebdo Blog 145. Mensagem de ECF Messager dia 6 de outubro de 2018, 08h53m.
3 Ibid.
4
Idem. Ibid.
5 CAVALCANTI, K. A dama da liberdade. São Paulo: Bemvirá Editora, 2015. 
http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/amazonia/noticia/2015/05/mulher-que-libertou-mais-de-2-mil-escravos-em-pleno-seculo-xxi.html

   
 
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