Gustavo Ramos (EBP/AMP)
Jaqueline Coelho (EBP/AMP)
Na Correio Express n. 28 tratamos da temática da regulamentação da psicanálise. Sendo assim, a formação do psicanalista e o ensino da psicanálise são também convocados ao debate. É o que propomos no número 29 da revista, trazendo à tona ainda outros desafios.
A relação entre a psicanálise e a universidade foi sempre palco de descompassos, que, atualmente, ganham novas roupagens. Um dos exemplos disso decorre do fato de que os ideais de fraternidade que imperam no discurso do mestre contemporâneo por vezes tomam a forma de uma reinvindicação de exclusão do pensamento freudiano nas universidades. A partir de vertentes fortemente identitárias, grupos se opõem à presença da psicanálise nas universidades, atribuindo a Freud as pechas de falocêntrico, patriarcal e não decolonial. Tendo isso em vista, como contornar tais desafios à presença da psicanálise nas universidades? Os impasses envolvendo o ensino da psicanálise na universidade poderiam servir a seu próprio avanço?
Aqui fica mais evidente o que está no cerne desse debate: o que fazer com o saber. Como se coadunam o saber exposto dos institutos e o uso desse saber feito nas universidades via Discurso do Mestre, sendo que nelas prevalece o saber e sua exposição? O ensino nos institutos deve guardar quais advertências em relação àquele exercido na universidade?
Em nosso campo, no que diz respeito à relação entre os institutos e a formação, há matizes que devem ser buscados, enquanto outros precisam ser evitados. Como entender o efeito de formação no Instituto? Haveria como escandir uma lógica pela qual ele opera? Como tensionar, no interior dos institutos, uma certa busca pelos certificados como garantia de uma formação, a qual, como sabemos, nunca está acabada? Partindo do pressuposto do tripé, como pensar o significante “permanente” dentro dos institutos? Poderíamos dizer que melhor seria a Escola também atuar pela via do “não sem” o Instituto?
Essas questões nos serviram de guia para pensarmos o atual número a partir do que acontece na psicanálise, no ensino e na formação: do impossível, ligado ao ensino, ao contingente, que se dá sem controle e pode surpreender os envolvidos. Para este número, contamos com os trabalhos de Luiz Fernando Carrijo da Cunha, Laureci Nunes, Tânia Abreu e Angélica Bastos.
Em “O Instituto, a Escola e o lugar do ensino”, Luiz Fernando Carrijo da Cunha propõe as relações possíveis entre saber/verdade/real e o que cada relação produz como resto, tendo em vista os quatro discursos. Se na Escola o saber suposto se manifesta a partir, por exemplo, dos seminários por conta e risco, no Instituto isso ocorre via semblante de saber: quem ensina o faz desde sua posição de sujeito, levando em conta o furo.
É por essa mesma via que Laureci Nunes, em “A Escola não sem o Instituto”, retoma a história da psicanálise, a partir de sua experiência em Santa Catarina, até o atual desafio que a nova geografia da EBP trouxe à Seção Sul, assim como a aposta feita por seus membros no saber exposto, na transferência de trabalho e no laço com a universidade. Laureci nos propõe que ambos, Escola e Instituto, são necessários à manutenção da psicanálise, à nossa formação e à pesquisa, sempre visando o Uno da orientação.
Sob esse prisma, Tânia Abreu promove uma importante aproximação entre a formação do analista e seu próprio testemunho de final de análise no texto “O que aprendi com meu passe”, partindo da declinação, feita por Lacan, da afirmação de que ele seria um psicanalista nato. Se pudessem existir psicanalistas natos, não haveria a necessidade de uma formação calcada no tripé. Nesse sentido, como poderia sustentar-se a formação do analista, se ela parte de um real que não se inscreve nem admite ser circunscrito?
Por fim, Angélica Bastos, em “Ensinar a partir da psicanálise”, postula não haver equivalência entre a universidade e o discurso universitário, haja vista que este último pode se estabelecer em outros lugares, assim como o discurso analítico não se faz presente em toda experiência psicanalítica. Tal questão promove um retorno à temática do ensino na psicanálise, pois tangencia a impossibilidade de o discurso do analista ser ensinado.
Fica aqui o convite para a leitura e para a reflexão sobre as ressonâncias dessas questões cruciais à psicanálise de orientação lacaniana.