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Editorial

Por Sérgio de Castro – Diretor Geral da EBP

Esse número extra do Correio Express celebra os 25 anos de fundação da Escola Brasileira de Psicanálise, acontecido aos 30 de abril de 1995. Os que estivemos lá são testemunhas da emoção e dos desafios que mal percebíamos então! Trabalho profícuo, intenso, tensionamentos e uma vitalidade transbordante! Idealizações e necessárias desidealizações, mas uma transferência de trabalho que se estabelecia firmemente!

25 anos após sua fundação, podemos retomar uma frase de JAM na carta escrita por ele à EBP, no mês anterior à fundação: “uma Escola é feita para durar e é um organismo muito vasto e complexo”.

Podemos dizer hoje, com o tempo transcorrido desde então, a confirmar nossas palavras: “Existe uma Escola”. É o ano 25!

Os curtos testemunhos de 15 colegas que se seguem são a prova contundente disso!

Parabéns EBP!

Por Angelina Harari

A Escola Brasileira de Psicanálise foi fundada pela Associação Mundial de Psicanálise (AMP), num primeiro ato de fundação. A primeira das Escolas foi, durante um tempo, a única, depois vieram outras, igualmente fundadas pelas mãos da AMP.

Certamente há que se contar as quatro Escolas anteriores à AMP, que firmaram o pacto de Paris, nome dado ao momento inaugural da AMP, em 1992.

Fundar uma Escola significou abrir um espaço que dá lugar à formação de analistas (1995) no Brasil. Reconhecer um trabalho prévio cujas contribuições foram inúmeras, especialmente pela iniciativa de alguns que buscaram uma experiência de análise lacaniana com os discípulos de Jacques Lacan. E especialmente os discípulos que participaram de experiências institucionais em uma Escola de Lacan, pois a formação, no interior da Escola se assenta no reconhecimento de AME (garantia) e pelo dispositivo do passe.

Os 25 anos da EBP celebram-se, sempre, trabalhando, …mais, ainda, como faz sua diretoria ao nos convocar a fazer um breve testemunho sobre a experiência de Escola.

Neste momento, a experiência de EBP se alia à experiência no comando da AMP; somos alguns membros brasileiros a compartilhar essa experiência em uma instância da AMP, sustentando um lugar de extimidade para a AMP em relação às sete Escolas que ela reúne. Para tanto, a AMP conta com a Escola Una que, por sua vez, esburaca qualquer tentativa de dominação do discurso do analista e que, desde 2000, aloja os Analistas da Escola, nomeados pelos diferentes dispositivos de passe existentes.


Por Heloísa Caldas

Minha experiência na EBP começou quando o campo freudiano soprou um desejo de Escola no Brasil. Veio de encontro à minha questão, “o que é um analista?”, implicada no ato de aceitar demandas de análise. A psicanálise em intensão e extensão ressoava na efervescência dos debates. Dispus-me logo à transferência de trabalho. Na fundação da Escola, fiz parte da lista dos primeiros Membros, aparentemente um bom lugar. Foi preciso, no entanto, enfrentar a responsabilidade subjetiva do que daí advém. A Escola sempre me inquietou. Venho nela perdendo idealizações, destituindo identificações, ganhando e furando saber, tecendo laços e desenlaces. Hoje posso dizer que gosto da Escola como família – lugar (in)humano e necessário que causa e acolhe as modalidades solitárias e singulares de cada um.


Por Ary Farias

Antes de encontrar Lacan nunca havia pensado uma Psicanálise que decorreria de uma Escola. Até então, para mim, a Psicanálise concernia mais aos impolutos associados da distante IPA. Não bastasse isso, a Escola de Lacan não se corroborava como sendo a casa do Mestre, estava mais para um canteiro de obras. Operários analisantes com adagas freudianas buscando recompor a forma perdida da praga original. Atravessei a soleira da EBP há apenas cinco anos, mas há pelo menos vinte, caminhava em seu quintal. Admitido, despertei na insônia do Real e do Um. Desde então, da impossibilidade ao impossível, costuro minha existência entre meus dessemelhantes, porém parceiros da mesma causa.


Por Margarida Elia Assad

Entrei para Escola em 1996, como aderente.  Desde que participei da Iniciativa Escola em São Paulo (1994) venho aprendendo muito sobre a politica da Escola. Ali, aprendi com Miller que temos que privilegiar objetivos e metas em detrimento das vaidades pessoais, e isso serve para a vida também. Com os AMEs, ganhei muito; saber fazer a ponte da Escola com a cultura, com a diversidade geográfica que marca nossa Escola, é colocar o trabalho na frente do sintoma! Com os Aes, experimento um efeito sobre meu próprio percurso de análise e para a clínica que realizo; com eles meu desejo de analista se desperta. A Nova Geografia é um novo desafio, exercitar a politica do Inconsciente é a fonte inesgotável de nossa formação analítica.


Por Flávia Cêra

Minha aproximação da Escola foi marcada por uma experiência, ou seja, por um corte que anunciava um antes e um depois na minha vida e nos rumos que ela tomaria. Essa história, embora não tenha tanto tempo, é longa. No esforço de contá-la tão sucintamente, lembrei da metáfora de Lacan sobre a psicanálise: ser um pulmão artificial. Em tempos de quarentena, a frase tão repetida, a Escola é uma soma de solidões subjetivas, ganha um acento material, no corpo, mesmo que virtualmente. E é sob o efeito deste Uno que consigo dizer da minha experiência de Escola, assim, como um respiro, um fôlego, inspirado no laço afetivo e de trabalho que nos reúne em torno da causa analítica.


Por Jorge Forbes

Querida EBP,

Parabéns! Te vi nascer, ajudei no seu parto e te nomeei Escola Brasileira de Psicanálise. Gostaria de me espalhar nas memórias desde a criação do Campo Freudiano no Brasil, que te antecedeu, por JAMiller e por mim, no meu consultório da rua Wanderley, em 1981! Mas, não, avancemos! Como avançar? Faço cinco votos de presente: (1). Hierarquia e Gradus. Retome essa distinção de Jacques Lacan. Não se cria um analista, conferencista, ou intelectual por se nomear a um cargo burocrático; (2). Passe. Permita que haja uma realística avaliação do que se apresenta e não uma consagração. Aproveite e discuta as análises pós passe também; (3). Mundo. Não espere um corona vírus te alertar que o mundo existe e se altera incessantemente; (4). Tratamento. É pouco, é vago, é escorregadio afirmar que a psicanálise é a experiência do inefável. Redefina e esclareça o que é um tratamento. Finalmente: (5). Português. Prefira o português consequente ao lacanês das lantejoulas.

Beijos,

Jorge Forbes


Por Fabiola Ramon

Do ideal a uma Escola viva

Encontrei-me com a EBP há 24 anos, nos seminários e nas veredas além do pai. Eu, jovem universitária. A EBP, um Outro que encarnava enigma e ideal de saber. Buscava saber sobre a linguagem. Então, encantei-me pelo inconsciente estruturado como linguagem, por Lacan e sua opacidade, não sem angústia. Lancei-me para análise e atividades do Campo. Quando percebi, aquele Outro já fazia parte da minha economia libidinal. Com o tempo e análise, o ideal foi se esvaziando e meu sintoma passou a se incluir numa nova forma de laço, disso que é vivido como experiência de Escola. Passei a experimentar um novo amor com a causa analítica, me permitindo fazer existir o discurso analítico. Hoje, não apenas faço parte da EBP, mas também ela faz parte (viva) de mim.


Por Elisa Alvarenga

O lugar que é o laço

A Escola é para mim o lugar de um laço, estabelecido a partir da orientação lacaniana, entre o espaço e o tempo. Miller define essa orientação como resultado do desejo de que a experiência analítica tenha um fim, decorrente do fato de que ela tem um começo. Lacan não se contentava com o infinito freudiano, mas postulou um outro infinito: aquele que faz da experiência analisante uma experiência de ensino. A transferência, necessária, dá lugar à contingência que demonstra um real e desabrocha na transferência de trabalho, tornando a Escola crucial para nós nesses tempos de COVID-19 e oferta de atendimentos on line: um lugar de laço no qual uma pergunta, sobre o que é uma experiência de análise, nos põe a trabalho.


Por Sandra Arruda Grostein

EBP-30 anos – Pecado original

O pecado original de minha inserção na Escola, há 30 anos, denunciava a imperfeição de minha posição ao ocupar um lugar, o de primeira tesoureira da EBP e da EBP junto à AMP, sustentado na relação sintomática com o dinheiro, inclusão que produzia ambivalência e insegurança, dificultando o autorizar-se como analista. Foi necessário atravessar várias crises na transferência com a Escola e alcançar, com o final da análise, uma melhor localização do gozo “excrementício”, para que houvesse uma pacificação e, consequentemente, a substituição da posição culpada do desejo de ser psicanalista, pela satisfação possível ligada à inconsistência própria ao semblante que dá suporte ao desejo do analista.


Por Luiz Felipe Monteiro

A dificuldade em escrever para a Escola não deixou de me surpreender diante da gentileza do convite. Lá onde eu dizia “sim”, adveio um “não” posto em marcha com variadas formações de inconsciente. Trata-se de uma forma amena de efeitos sintomáticos vividos no tempo da entrada. Que o par Escola e Inconsciente faz sintoma é patente, porém isto não é suficiente para dizer do ponto central do que a EBP realiza no percurso de minha formação – há que dar mais uma volta. A volta que permite num esvaziamento da Escola Outro, fazer advir a Escola causa de desejo, a Escola causa analítica; e assim fazer do “sim” e do “não” uma enunciação que ponha em ato, sempre provisório e reeditável, uma forma singular e surpreendente de dizer: “não ceder do desejo”.


Por Cristiane Barreto

O legado lacaniano de revigorar o “traumatismo Freud” prossegue na via de uma orientação incansável, advertida do risco de acontecer na tessitura do seu campo o que o psicanalista “constata todos os dias com o paciente no divã: o mais claro de seu discurso lhe escapa” (Lacan).

Lacan antecipa, será crucial preservar a psicanálise “em meio ao movimento cada vez mais acelerado do nosso mundo”. Além de veloz, árido e contaminado por um vírus que o devasta. E aqui chegamos nós, 25 anos depois, com o desejo decidido de fazer durar uma Escola.

A fundação da Escola Brasileira de Psicanálise relançou a causa a um futuro que acabava de chegar. Um “futuro contingente”, tempo verbal psicanalítico, passa marcado por abertura de possíveis e produz o necessário. Fizemos da Escola um sintoma. Sendo assim, o que pertence ao futuro já está, de alguma forma, inscrito no seu instante inaugural: que venham mais quartos de séculos pela frente! Viva, EBP!


Por Ana Lydia Santiago

25 anos, da EBP; 25 anos, na EBP!!

Em minha presença na Escola procuro levar em conta o princípio fundamental formulado por Jacques-Alain Miller, em Teoria de Turim, segundo o qual “a Escola é um sujeito” e “um sujeito não é uma substância coletiva”. Minha experiência nos diversos espaços e instâncias da Escola comprova que o funcionamento da Escola pressupõe o ato da interpretação. A Escola enquanto sujeito, além de ser interpretável, interpreta. Permite a cada um pensar sua relação com a causa analítica, autorizar-se por si mesmo, com referência à Escola. Não é dificil constatar que a prática interpretativa produz efeitos que fortalece o Um, mas também efeitos desagregativos, na medida em que a relação que cada membro mantém com o andamento coletivo da Escola é marcada pelo sintoma particular do sujeito.


Por Maricia Ciscato

Como pode uma “experiência de Escola” se apresentar quando – e somente quando – me deparo com a inexistência daquilo que é justamente a sua causa, “A Escola”? Eis aí uma de suas maiores belezas: a Escola deixa de existir quando nela se crê demais. Apenas a partir dessa constatação me é possível fazê-la acontecer, a cada vez, abrindo-me num coletivo de laços de trabalho, inventivos e orientados, no um a um, por um desejo vivo. “Dessas coisas de Lacan”, penso, dessas que nos reviram nas leituras, nos estudos, nos encontros, sem permitir com que nos asseguremos em instituições, universais ou no já sabido. E é com essa radicalidade que lhe é própria que poderemos seguir em meio aos tão duros desafios que nosso tempo já nos impõe.


Por Fátima Sarmento

EBP – Feita para durar

Às vésperas da sua fundação, Miller disse: “Uma Escola é feita para durar”.

Sim, há 25 anos você persiste e passou à categoria de Escola-sujeito, para ser interpretada analiticamente.  Enquanto comunidade cada um dos membros é remetido à sua solidão – esse é o paradoxo da Escola que se situa na expressão, também de Miller, “coletivo de solidões”.

Na condição de membro me sinto responsável pelo seu progresso e honrada em participar de suas mudanças, tensões, desafios e vitórias. De 1995 a 2020, a sua chama continua viva. E que venham mais 25 anos!


Por Iordan Gurgel

Um experiência inolvidável!

Na tarde de 26/08/1994, uma sexta feira ensolarada em Salvador, estávamos reunidos os membros e aderentes do Setor Bahia de Iniciativa Escola, com Miller, preparando a Assembleia que aconteceria logo mais à noite para criar a Seção Bahia. A fundação da EBP estava prevista para 30/04/1995, no Rio.

Lembro que, no final daquela reunião, Miller dirigiu-se a mim e disse: “Você, à noite, vai falar sobre: A Seção já é Escola! Faltavam duas horas para o inicio do evento. Sentiram o drama? A angústia foi a bússola, a via de acesso ao desejo de Escola que me pôs ao trabalho.

A partir daí entendi que a Escola era produto do trabalho de cada um. A Seção já é a Escola engendrava o tempo da Escola Una, que não respeita a geografia e sim uma cartografia libidinal: desde seu interior oferecer sua doutrina e, desde fora, ser criada a partir do trabalho engendrado pelas Seções. Este modelo gestou uma nova topologia, que não distingue o distante do próximo e não abre mão da radicalidade do um por um. O nosso percurso, que inclui a nova geografia, tem demonstrado que a vocação de cada membro pelo discurso analítico tem sido mais determinante que as fronteiras geográficas.

Desde aquela sexta-feira inolvidável, passei a entender que a Escola é um organismo em que se deve cumprir um trabalho, que é indissolúvel de sua formação.

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