Héder Lemos Bello[1]
Introdução
Este artigo explora as complexas interseções entre psicanálise, religião e sociedade, com foco especial no neopentecostalismo e no fundamentalismo religioso, situados no contexto do neoliberalismo contemporâneo. Examinamos a maneira como a condição de desamparo humano é instrumentalizada pelas concepções neopentecostais e fundamentalistas para promover uma noção de prosperidade econômica como panaceia universal para questões humanas e investigamos os efeitos profundos que isso tem sobre a subjetividade contemporânea e sobre a configuração das estruturas sociais. Através de uma análise histórica, discutimos a evolução do pentecostalismo e suas sinergias com o neoliberalismo, sublinhando as consequências dessa confluência para a concepção de direitos humanos, para o crescente interesse dos evangélicos pela psicanálise e para as tentativas de regulamentação desta, bem como para as dinâmicas de exclusão de grupos minoritários.
Contexto histórico
O fenômeno do pentecostalismo, juntamente com o fundamentalismo religioso, emergiu nos Estados Unidos no início do século XX, marcando uma resposta enérgica às crescentes ondas de secularização e às mudanças paradigmáticas do século XIX, tais como o evolucionismo darwinista, os avanços da física moderna e os debates sobre a autoridade da Bíblia, impulsionados pela crítica textual e histórica iniciada pela teologia alemã. Esse período de efervescência religiosa coincidiu com o desenvolvimento da “guerra espiritual” como um conceito central no neopentecostalismo, uma intensificação das batalhas metafísicas contra forças malignas, que Ricardo Mariano identifica como uma característica da terceira onda do pentecostalismo, denominada neopentecostalismo[2]. Essa abordagem enfatiza uma Teologia da Prosperidade, que incorpora práticas empresariais e uma sofisticação na condução das atividades religiosas, utilizando a mídia e estratégias de influência para perpetuar o patriarcado e oferecer soluções simplistas para complexos problemas sociais, muitas vezes criando inimigos imaginários como foco de suas campanhas espirituais.
No Brasil, o crescimento do neopentecostalismo e a adoção da Teologia da Prosperidade, sobretudo após a repressão à Teologia da Libertação pelo Vaticano na década de 1980, ilustram como o movimento pentecostal se alinhou ideologicamente ao neoliberalismo. As igrejas neopentecostais adotaram um modelo de gestão empresarial e promoveram uma espiritualidade em conformidade com os princípios neoliberais, incentivando os fiéis a buscar o sucesso pessoal e material como sinais de bênção divina, enquanto se distanciavam das questões de justiça social e equidade, pilares da Teologia da Libertação.
Neopentecostalismo, neoliberalismo e a questão dos direitos humanos
O “sacerdócio empresarial”, termo cunhado por Bello, expressa a maneira como a fusão do neoliberalismo com as práticas neopentecostais gera processos de subjetivação que capitalizam o sentimento de desamparo, prometendo soluções rápidas e eficientes para os desafios da vida por meio da adesão a princípios religiosos e do esforço pessoal[3]. Esse fenômeno é analisado por Esperandio, que discute o papel da religião na formação da subjetividade em um contexto neoliberal, sugerindo que a adesão a movimentos religiosos pode ser uma tentativa de mitigar o desamparo, enquanto promove uma narcisização reativa[4].
A relação entre o neopentecostalismo, o fundamentalismo religioso e o neoliberalismo tem implicações profundas sobre os direitos humanos, particularmente no que diz respeito à exclusão de grupos politicamente minorizados. A narrativa neopentecostal frequentemente estabelece uma dicotomia entre os “escolhidos” e os “outros”, marginalizando ou demonizando aqueles que não se enquadram em sua concepção de sucesso espiritual e material. Movimentos sociais e grupos que desafiam as normas conservadoras cristãs, incluindo comunidades indígenas, tradições afro-brasileiras, movimentos feministas e LGBTQI+, são rotulados como adversários nesse embate espiritual, perpetuando uma exclusão social e espiritual baseada em uma visão de mundo binária[5].
Psicanálise, neoliberalismo e neopentecostalismo: uma interseção complexa
O interesse crescente dos evangélicos pela psicanálise, como observado por Binkowski, pode refletir uma busca por legitimidade e alinhamento com as elites, adotando e promovendo uma visão conservadora da família e da ordem social que encontra ressonância em certos aspectos da psicanálise tradicional, como as noções de complexo de Édipo, de inveja do pênis e de castração, e excluindo outros como a concepção pulsional do sujeito[6]. A tentativa de regulamentação da psicanálise, enquadrando-a como uma disciplina rígida, é uma manifestação dessa dinâmica, que tem como objetivo cristalizar uma ordem social que favorece valores conservadores e neoliberais.
A psicanálise enfrenta o desafio de se renovar, abraçando novas teorias e práticas que reconheçam a diversidade da experiência humana e considerem a interseccionalidade. Isso implica uma revisão crítica da formação psicanalítica para torná-la mais inclusiva e acessível, desafiando as estruturas tradicionais de autoridade e ampliando o espaço para vozes marginalizadas.
Conclusão
A ascensão do neopentecostalismo e da teologia da prosperidade no contexto neoliberal representa uma ameaça aos direitos humanos, especialmente para minorias sexuais e de gênero, ao promover uma ideologia que valoriza a prosperidade material e o domínio fundamentalista cristão, enquanto marginaliza e combate aqueles que não se enquadram nessa visão[7]. A psicanálise, por sua vez, deve responder a esses desafios adaptando-se às mudanças socioculturais e ampliando seu escopo para abraçar uma diversidade maior de experiências sociais contemporâneas.