Por Fátima Pinheiro (EBP/AMP)
Convidamos Gustavo Speridião[1], destacado artista brasileiro contemporâneo, para participar do Correio Express 27, pelo fato de seus trabalhos permitirem uma instigante interlocução com os textos deste número. Speridião investiga, ao longo do tempo, a pintura, a fotografia, o vídeo, o desenho, e, através de inúmeros cadernos, utilizados como fonte de pesquisa, registra ideias e pensamentos. Seus trabalhos exploram situações e experiências do cotidiano e têm como temática as questões discursivas contemporâneas. Ao investigar de maneira crítica e irônica a realidade – social, cultural e política –, seus trabalhos servem de desafio, testando os próprios limites da arte e da representação. Contudo, o fazer de Speridião, ao utilizar a escrita e o poema para operar frente à cultura de nosso tempo, não nos deixa esquecer que a discussão sobre a arte é também uma discussão política[2].
Suas frases-poemas inquietam pelo fato de revelarem a sujeira anônima das pixações urbanas dos muros das cidades, dos resíduos de um planeta globalizado, e sobretudo por questionar ilusões vãs. A ironia, tão marcante na poética do artista, é o ruído que ecoa da caixa de ressonância constituída pelo vazio de sua letra. E, diferentemente do humor, mobiliza o litoral entre o significante e o real. Enquanto o humor manifesta os efeitos subjetivos gerados pela submissão ao sentido prescrito por um discurso, a ironia vem exibir a falta de fundamento ou a inconsistência do discurso ao qual alguém se autoriza para impor um determinado sentido a outrem[3]. Gustavo Speridião, ao fazer uso da ironia, revela a falta de consistência discursiva imposta pela cultura que determina e impõe sentido. Em última instância, o que seu trabalho desnuda, em sua face irônica, é que o campo do Outro, em que os efeitos de significação são produzidos, não se mantém fora da crença que o sustenta.
Miller levantou a hipótese de que a ironia é a única poesia que nos permanece acessível, o que permitiria à psicanálise, “maravilhosamente, metonimicamente, contornar todos os obstáculos que a sociedade moderna multiplica em seu caminho”[4]. A partir daí nos perguntamos: Não seria esse aspecto irônico da poesia, ao tocar o real, o que nos faz escutar o que está escrito? Não seria, apesar das diferenças, esse o ponto que faz coincidir o analista e o artista[5]?