Gustavo Menezes (EBP/AMP)
Mônica Hage (EBP/AMP)
Silêncio na EBP. Política da juventude. Ataques à psicanálise. A nova equipe editorial da Correio Express, instigada pelas últimas discussões sobre o futuro da Escola de Lacan e sobre a imersão da psicanálise no mundo, propõe, para este número, a questão: Por que fazer parte de uma Escola de Psicanálise, hoje?
A pergunta ‘o que é um psicanalista?’ faz par com uma outra: ‘o que é uma Escola de Psicanálise?’ Qual é a sua relação com o saber? Em torno desse vazio, Lacan propôs uma lógica para a formação dos analistas. Desde então, há um esforço para que essas perguntas não se respondam a partir de dogmas e de efeitos identitários de massa. Importante lembrar que, para Lacan[1], construir uma Escola consistiria, também, em construir um lugar de “refúgio”, uma “base de operação” contra o mal-estar na civilização. Como entender, como interpretar esse refúgio hoje? O que levaria os analistas das futuras gerações a continuarem com a aposta de que a Escola permanece como lugar para salvaguardar o discurso analítico diante das ameaças que, desde Freud, sempre estiveram presentes? Quais são as garantias que a Escola pode oferecer hoje? O que conta no momento de entrada como membro da Escola? E quanto àqueles que não se tornam membros, mas que constituem o entorno e contribuem com a psicanálise?
A existência da Escola “responde à necessidade de manter viva a própria estrutura da experiência analítica”, afirma Paula Legey, ao ressaltar a importância de zelar pela sobrevivência da subversão produzida pelo discurso analítico. Enquanto conceito, a Escola se refere a uma coletividade que se mantém unida não por modos de identificação que formam “grupos de iguais”, mas, sim, por modos que envolvem a solidão subjetiva de cada um. Se, por um lado, o discurso analítico se aproxima da lógica contemporânea, por outro, dela se distancia. O risco de “cairmos num acirramento dos processos de segregação” faz com que a psicanálise e a Escola permaneçam como respostas possíveis ao tratamento do gozo. E Paula conclui: a Escola “é um modo de laço a partir do mais singular, justamente daquilo que fica excluído para fazer o grande Um da massa no grupo freudiano”.
Fazendo um “giro de 180 graus do Outro ao Um”, Bernardino Horne destaca como, a partir da fundação do campo Uniano, Lacan nos fornece uma resposta da psicanálise pura às questões de hoje, uma vez que o início da experiência analítica “já traz consigo as marcas do gozo Um”. Nesse sentido, diante dos problemas contemporâneos, há que “radicalizar e atualizar nossos fundamentos”, ou seja, trazer o novo. É nessa perspectiva que se inserem a proposição de novos conceitos e as respostas políticas frente à aceleração temporal e às pulsões que hoje governam, sobretudo a escópica. Bernardino adverte-nos que “a extensão da psicanálise é a extensão da intensão” e que “o desejo do analista é o contrário de toda vontade de poder”.
Se um analista “se produz de sua experiência na análise”, Cláudia Santa coloca a questão sobre em que momento é despertado, no psicanalista, o desejo de se dirigir à Escola. É um momento que depende de um ato. Cláudia propõe que é preciso “crer no inconsciente transferencial e real, no discurso analítico”, para criar as condições de endereçamento do pedido. Por não cristalizar os lugares, a Escola apresenta “traços de incômodo, de agitação”. Mas é necessária a interpretação, a qual “se faz sobre uma base de descontinuidade” e traz, mais uma vez, o novo. Diante das mudanças da civilização que afetam a clínica, a Escola pode fazer laço e inventar, no um a um, uma saída contra o mal-estar, sendo um refúgio “descontínuo” e não harmonioso, conclui Cláudia.
Ao problematizar a questão sobre “como fazer para ensinar o que não se ensina?”, Maria do Carmo Dias Batista retoma a ideia de Lacan de que “o discurso analítico não é matéria de ensino”, pois é um particular que “apenas se pode apreender na experiência analítica”. Assim, os universais “tudo é apenas sonho” e “todos deliramos” são “assuntos de psicanálise”, servindo como bússola para a teoria e para a prática. O ensino, que é mais uma via para introduzir o novo, “se renova ao se deparar com o impossível”, diz Maria do Carmo, a partir de Lacan, distanciando-se do discurso universitário. Diante das ofertas atuais de “inúmeros grupos identitários”, por que querer fazer parte de uma Escola de psicanálise? Maria do Carmo propõe-nos buscar a resposta, mais uma vez, no um a um: em cada uma das cartas de intenção enviadas por aqueles que hoje são membros da Escola Brasileira de Psicanálise.
No momento de fundação da EBP, Jacques-Alain Miller se dirigia aos analistas da recém-nascida Escola e enfatizava que ela estava, agora, nas mãos destes[2]. As dificuldades próprias daquele momento fizeram com que sua criação fosse concluída somente 13 anos após a primeira visita de Miller ao Brasil. Ele destacava que era “preciso ficar atento a uma dificuldade particular ao Brasil”, a saber, sua multiplicidade. E Miller continua: “O Um da Escola é frágil e será bem-vindo tudo que venha reforçá-lo com uma condição – que o Múltiplo o aceite de bom grado”. E hoje? “Que se pode temer, que se pode esperar [mais ainda] para o futuro?”[3]
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