Cláudia Regina Santa Silva (EBP/AMP)
Um analista se produz de sua experiência na análise. Em que momento é despertado algo que faz o sujeito se direcionar ao pedido de entrada na Escola? Cada um vai ter sua elaboração provocada por sua experiência de análise. Extrair esse ponto, onde o analisante se levanta e diz “eu sou branco”[1], ou seja, “eu farei o pedido”, é uma certeza antecipada, uma pressa que se precipita em ato, e então o pedido é feito. Há, talvez, no início da formação, o desejo de ser analista. Mas esse desejo não sustenta uma formação. Então, o que sustenta? Por que ainda pedimos para entrar na Escola? Seria um lugar ao sol? Seria no sentido de buscar um refúgio ao mal-estar da civilização?
Fazer um pedido não significa que ele será acolhido. É preciso saber ignorar o status da Escola, mesmo desejando nela estar. Há uma nomeação, porque, na entrada, foi possível transmitir um saber extraído da própria análise, como relata Miller em “Teoria de Turim”:
O que Lacan chama uma Escola é uma formação coletiva na qual, a princípio, cada um dos membros sabe isto. Não o sabe da forma como lhes desenvolvi, pois não a desenvolvi antes, porém sabe algo à medida que é analisado, que se analisa, que conceitualmente captou o que ensina uma análise, que cada um está só – só com o Outro do significante, só com sua fantasia, da qual “um pé está no Outro”, só com seu gozo, êxtimo.[2]
O que faz laço na Escola, impulsionando pedidos? É a psicanálise. Mas o que, hoje, na psicanálise, ainda desperta esse ato? Quando há uma brecha, um intervalo, naquilo que se sabe, com aquilo que não se sabe, é porque acredita-se, por experiência, na divisão subjetiva, experiência que só é possível quando se entra em análise. Por conseguinte, consente-se com uma abertura ao inconsciente. Como dizia Lacan, “não há formação analítica, há somente formações do inconsciente”.[3] Há que se crer no inconsciente transferencial e real, no discurso analítico, e assim, quem sabe, endereçar-se à Escola.
A Escola é um lugar que pode e que deve também trazer alguns traços de incômodo, de agitação. As questões servem para não cristalizar os lugares, para manter vivo o desejo de que a psicanálise exista. Por mais que se tenha um conhecimento epistêmico, parece fundamental, estando na Escola, continuar com perguntas: ‘que lugar é este, o que o faz continuar existindo?’ Há algo do ideal do eu que se coloca em jogo. Cito novamente Miller: “Não há zero de Ideal, mas isto que Lacan remete a cada um em sua solidão de sujeito, à relação que cada um mantém com o significante mestre do Ideal sob o qual se coloca”.[4] Miller prossegue discorrendo sobre a importância de interpretar a Escola para que haja uma separação entre coletivo e solidão do sujeito – estando esta sempre em primeiro plano – e aponta isso como o paradoxo da Escola.
Pensando sobre a solidão do sujeito, não sem sua relação com o Outro, tomo uma direção a partir desta frase de Lacan: “A psicanálise verdadeira tem seu fundamento na relação do homem com a fala. Essa determinação, cujo enunciado é evidente, é o eixo em relação ao qual se devem julgar e avaliar seus efeitos”.[5] Ainda no mesmo texto: “Toda promoção da intersubjetividade na personalogia humana, portanto, só pode articular-se a partir da instituição de um Outro como lugar da fala.” Lacan prossegue advertindo sobre os perigos imaginários do eu. Devemos levar a sério essas pontuações. Tarefa árdua, já que, na atualidade, o que parece estar em evidência é mesmo um recrudescimento do eu. Como, na contemporaneidade, esse recrudescimento do eu faz efeito nas bordas e dentro da Escola?
Nesse sentido, estar atento nos leva a também dizer que a Escola, como um refúgio ao mal-estar da civilização, precisa passar por esses questionamentos, pois, se há formação na Escola, no sentido de uma psicanálise que busca sua existência, devemos interpretar. E se a interpretação se faz sobre uma base de descontinuidade[6], sobre aquilo que escande uma cadeia, separando o S1 do S2, e assim fazendo um significante novo aparecer, é possível perguntar: o que de novo – em uma contemporaneidade que nos faz perceber uma mudança na clínica – a Escola pode inventar, no um a um dos psicanalistas? Estamos em um tempo de alerta? Alerta sobre como transmitir isso que do real insiste e que faz com que a psicanálise tenha um futuro. E aí retomo: qual é a relação do homem com a fala, hoje, pensando que essa relação só pode articular-se a partir da inauguração de um Outro como lugar da fala? Essa frase é complexa, pois faz-nos pensar sobre o Outro na contemporaneidade. Um Outro que não existe, mas que ainda articula a fala? Quando abrimos essa reflexão, podemos abrir também a discussão sobre por que ainda se pede para entrar na Escola: alguém ainda crê nesse Outro, que não existe, mas que, mesmo não existindo, constitui uma possibilidade de laço e de invenção, que permite uma saída para um possível caminho em direção ao puro niilismo. Saída contra o mal-estar da civilização. Por isso a Escola seria um refúgio, mas um refúgio que não deve ser harmonioso, e sim descontínuo, sustentando a psicanálise, razão de um fracasso, como um discurso que pode trazer ao sujeito novas invenções para que ele se arranje com um ponto de real, sempre presente.
Novamente com Miller: “É por isto que o ato de colocar os significantes que determinam a Escola é um ato de responsabilidade absoluta, pois é um ato de interpretação, que opera sobre o sujeito pelo viés da palavra”.[7] Finalizo com mais uma pergunta: quais significantes marcam a Escola hoje?