
Imagem: Rita Caruzzo.
Um por um, no laço com os outros.
Cleyton Andrade
O processo civilizatório é um exercício diário. É necessário muito trabalho para que encontremos outros destinos para a pulsão de morte. Reunimos aqui três de nossos colegas para tecerem com palavras, parte do silêncio que ocupou nossos corações naquele dia de Blumenau. Oscar Reymundo, Ondina Machado e Gustavo Ramos trazem cotas desse trabalho diário de nos mantermos civilizados apesar da barbarie.
Oscar Reymundo faz uma série de dobraduras e montagens entre um silêncio vindo do impacto ao esforço de pensar tanto a clínica, quanto uma crítica da cultura. Um tanto como analisante e interprete da cultura, outro tanto como analista que recebe no consultório as ressonâncias do evento traumático que invadiu a cena das sessões naquele dia 05 de abril, mas sempre como psicanalista causado pela orientação lacaniana, nos leva para pontos difíceis com a cautela necessária.
De um lado o aparente lobo solitário não parecia tão solitário assim, enquanto de outro, seres falantes podem encontrar em identificações e redes solidárias um modo de tratar o sentimento de desamparo. Ao mesmo tempo “a delicadeza da presença do analista, também nestes tempos de urgência subjetiva e social, consiste, então, em trabalhar na direção de que a identificação e os laços solidários não impeçam o acesso ao mais singular da fantasia de cada sujeito como tela perante um real sempre impossível de prever.” Sigo os passos de Oscar reiterando a aposta em “um modo outro de viver a pulsão, um por um, no laço com outros.”
Ondina Machado interroga qual seria o tratamento dado pela cultura àquilo que se desvela, tendo que se manter velado. Diante da inconsistência do Outro pode-se experimentar a tentação de desacreditar na lei para acreditar no guarda, nos diz ela. Com isso ela coloca a olho nú o efeito paradoxal de tentar responder sem o simbólico àquilo que se produziu por sua falha. A lei de Talião no século XXI é a excitação das redes, dos algorítimos, e consequentemente dos engajamentos que respaldam imprensa e parte do poder público com cateirinha de cac.
Tal como apareceu no texto de Oscar, ocorreu aqui também que as vozes fizeram da cena o tema das sessões, que de um impossível de suportar acabaram atracando em outros. Ao dizer que nas sessoes do dia 05 de abril “todos se depararam com um limite à compreensão, com o limite do significante em tentar dar conta do real”, pode ter dado uma chave de leitura à ideia de que como civilização, falhamos miseravelmente.
O texto de Gustavo Ramos é em parte um depoimento. Responsável pelo Laboratório Encontro de Saberes que sustenta um dispositivo de conversação junto a escolas municipais de Florianópolis, recebe a nóticia quando estava à caminho de uma das escolas. Chega para a conversação no calor da agitação de funcionários e pais, indo se sentar com crianças entre seis e sete anos. É com essa idade que uma delas o puxa pelo braço e diz “é o fim do mundo!”.
É diante das miseráveis falhas da civilização e do fim do mundo, que um analista deve se fazer presente para tornar possível outras formas de viver a pulsão, um por um, no laço com os outros.